OPINIÃO

Márcia Abrahão Moura é reitora da Universidade de Brasília e professora do Instituto de Geociências. Doutora em Geologia pela UnB.

Márcia Abrahão Moura

 

À medida que nos aproximamos do mês do aniversário de 62 anos da Universidade de Brasília (UnB), reflito sobre o que essa instituição representa para a cidade e para todo o país. Desde sua fundação, a UnB tem sido um farol de resistência e um espaço onde a democracia não é apenas praticada, mas celebrada e fortalecida.


Como primeira mulher reitora da UnB, me inspiro nos ensinamentos dos nossos fundadores, Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira. Eles nos deixaram um legado de respeito aos direitos humanos e de compromisso em tornar a universidade cada vez mais um espaço de e para todas e todos: democrática, inclusiva, diversa, inquieta. Esses princípios orientam nossas ações, moldam nossas políticas e definem nossa missão como instituição de ensino superior pública federal. Aqui fazemos ensino, pesquisa e extensão de excelência e com forte compromisso social.


Assim como as demais universidades e institutos federais, a UnB tem sido palco de acontecimentos históricos para a educação do nosso país. É lugar para se debater e construir o futuro do ensino que queremos, voltado para o desenvolvimento sustentável do Brasil e para o bem-estar do nosso povo. Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira, líderes humanistas e visionários incansáveis, nos ensinaram que a educação é a chave para a construção de uma sociedade mais solidária. Entre tantos legados que Darcy Ribeiro deixou para o nosso país, está a luta e a defesa da democracia e da autonomia universitária. Temos orgulho também de ter Paulo Freire entre os nossos doutores Honoris Causa. Portanto, não abrimos mão da democracia!


A UnB é prova do que regimes autoritários fazem às instituições democráticas: no dia 9 de abril de 1964, nove dias após o golpe militar no Brasil, a Universidade de Brasília sofreu a primeira invasão de militares. Em 1965, perdeu a maior parte dos seus professores e quase foi fechada. Em 1973, perdeu seu brilhante estudante Honestino Guimarães. Resistiu.E hoje se destaca entre as melhores do Brasil e da América Latina.


Nos anos mais recentes, os ataques às universidades federais vieram pela tentativa de intimidação a docentes, sindicatos, estudantes, reitoras e reitores, resultando, por exemplo, na morte do reitor da UFSC Cancelier, em 2017. Em abril de 2019, a UnB e outras duas universidades foram acusadas de fazer “balbúrdia” e tivemos, de uma vez, um corte de 30% do nosso orçamento. O corte foi estendido às demais universidades. Os estudantes foram para as ruas em maio de 2019 e, com sindicatos de técnicos e de docentes, conseguiram reverter a situação. Reitoras e reitores eleitos não foram nomeados entre 2019 e 2022.


Em 2003, tivemos um dos marcos mais significativos rumo à democratização do ensino: a implementação do Sistema de Cotas. Uma iniciativa pioneira da UnB com objetivo de diminuir as desigualdades de acesso à educação e promover a inclusão social. Mais recentemente, estendemos esse compromisso à pós-graduação. Reafirmando o nosso pioneirismo e nosso dever com a democracia, realizamos neste semestre o primeiro vestibular para pessoas com 60 anos ou mais. É motivo de orgulho ver que iluminamos políticas para o país.


Temos também a urgência de reparar as injustiças do passado e de honrar quem lutou por um Brasil democrático e justo. É por isso que planejamos, a partir de uma mobilização interna e da sociedade civil, entregar postumamente o diploma de graduação a Honestino Guimarães, um dos estudantes brasileiros que desapareceram durante a ditadura militar.


É um gesto de justiça e para mostrar para a sociedade as consequências das graves violações dos direitos humanos no período da ditadura militar, para que isso nunca mais ocorra. Honestino foi o primeiro colocado no primeiro vestibular em geologia da UnB. Seria meu colega de profissão e um brilhante geólogo. A ausência da democracia tirou dele essa possibilidade de vida. Em sua memória, o nosso Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UnB estampa o seu nome.


No âmbito nacional, é a primeira vez que a UnB assume a presidência da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). A democracia é um princípio caro para a Andifes, pois permeia todas as esferas da vida universitária, como a liberdade de cátedra, a escolha democrática de reitores e a necessária autonomia financeira prevista na Constituição Federal, a exemplo do que ocorre nas universidades estaduais paulistas desde 1989.


Nesse contexto, celebramos a abertura de rádios e TV’s de universidades e institutos federais, como parte de uma iniciativa da Andifes e do Governo Federal para a democratização da informação e combate as fake news .  Já são mais de 40 novas consignações de rádio e TV em todo o país.

 

Portanto, ao olharmos para o futuro, continuamos a sonhar o sonho de Darcy Ribeiro. Um sonho de uma universidade que forma profissionais competentes, mas também cidadãos críticos, conscientes e comprometidos com a construção de uma sociedade, de uma cidade e de um Brasil mais justo, democrático e menos desigual.

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Publicado originalmente no Correio Braziliense, em 25/03/2024.

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