OPINIÃO

Ana Magnólia Mendes é professora do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações da Universidade de Brasília (UnB). Coordenadora do Grupo de Pesquisa Psicanálise e Crítica Social do Trabalho e do Projeto de Atendimento Clínico Trabalhadores no Divã.

 

Ana Magnólia Bezerra Mendes

 

Vivemos hoje a radicalidade dos paradoxos do capital que avançam de modo incomensurável. A sua coabitação com o capitalismo financeiro neoliberal tem produzido efeitos nefastos para os laços sociais e para classe que vive do trabalho. São inúmeras os adoecimentos causados pelas patologias do trabalho em decorrência da deformação destes laços, como a indiferença, o medo, a desconfiança e a melancolia, que tem se desdobrado em diversos adoecimentos. Adoecimento, alimentado pela farmaceuticalização cada vez mais presente na regulação do corpo do trabalhador, resultado dos modelos de gestão hiper-produtivistas, que por meio dos seus imperativos enuncia as falácias que nos faz crer que podemos ser como as máquinas, os deuses e os super-heróis.

 

Esta é uma realidade que tem atingido trabalhadores com os mais variados tipos de empregos como os assalariados em empresas públicas, privadas, em empregos informais, em plataformas, sem emprego e empreendedores. Vale ressaltar que desempregado é trabalhador !! Ser trabalhador é uma identidade que diz respeito a um lugar social e existencial. É uma condição para constituição da nossa subjetividade. Um trabalho vivo, que implica transformar e ser transformado pelo fazer, que é o nosso ofício, nosso saber-fazer. Trabalho que articula de modo inexorável a categoria sujeito e existe fora da lógica do modo de produção capitalista, como por exemplo, o trabalho de pensar, de elaborar, de discutir, de cuidar; o trabalho intelectual, político, doméstico, voluntário, comunitário.

 

Mas não é assim que o discurso capitalista-colonial e neoliberal com suas práticas de gestão operam. Existe uma forte tendência, que é política, a equivalência entre trabalho e emprego. Muitos empregos, que são importantes para sobrevivência, não nos permitem trabalhar dado um modelo de gestão da organização do trabalho que mortifica o sujeito que trabalha. São modelos sustentados pelas ideologias do superior-inferior, do desempenho, da urgência, do foco, da insuficiência, do possível e da felicidade. Produz o sujeito cerebral que tudo sabe, tudo pode e sempre ganha.

 

Pensar estas questões é meu trabalho nesse dia do trabalho! Ou seja, refletir sobre o que fizeram e fazem do trabalho humano? Mas especialmente, o que fazemos com isso ? Acredito que são muitos os modos de reconfigurar o trabalho, por exemplo, pela subversão dos modos de fazer ciência. Subverter para produzir outros discursos, outras práticas e outras subjetividades, menos melancólicas e colonizadas, que façam a diferença com o diferente.

 

É uma construção sem pausas, um percurso a ser trilhado. É caminhar na contramão, um convite a transgredir e inventar saídas. Mas como seria possível estas saídas se não existe espaço para a diferença, o diferente e para não ser “normal”? A quem interessa a tirania do idêntico? Perdemos ou ganhamos em fazer a diferença? E mais, o que vai acontecer com os laços sociais entre sujeitos zumbi, sujeito máquina, sujeito fábrica, sujeito gestor, sujeito performático, enfim, sujeito onipotente, onisciente, onipresente?

 

Buscar as saídas! Assim, dedico este texto aos que estão trabalhando para sair do labirinto, rompendo com as ideologias que os paradoxos do capitalismo impõem, mesmo que uma dessas saídas seja o adoecimento, como muitos dos trabalhadores que atendemos no nosso projeto. Adoecimento como ato político! Por fim, aos que trabalham com a coragem de furar o esquema dos sistemas – e aqui faço uma referência aos movimentos de resistência, em especial aos que lutaram contra a escravidão –, trabalhando contra todo e qualquer tipo de dominação e opressão.

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