Medalhista no atletismo, vencedor de barreiras na vida. Com sorriso no rosto, o estudante de Educação Física da UnB Higor Caldeira Ribeiro, de 21 anos, posa para a foto segurando, com orgulho, as duas medalhas conquistadas nos Jogos Sul-Americanos de Desportos de Surdos, realizados em dezembro de 2023, em Guaiaquil, no Equador. O ouro no salto com barreiras e a prata no salto a distância foram alcançados com muito esforço, suor e incentivo.

“No primeiro dia [de provas], estava ali com os amigos e a família mandando mensagem, todo mundo mandando vídeos, até o grupo da Daces [Diretoria de Acessibilidade da UnB] me incentivou muito me desejando boa sorte. Eu fiquei muito emocionado”, relata, em entrevista concedida com apoio de intérpretes de Libras da Daces. A unidade assiste o estudante em suas atividades na UnB.

Os obstáculos prévios à competição, como calor, falta de ar devido à altitude, dificuldades para obter patrocínio e falta de equipe de apoio na delegação, não impediram o bom resultado. “Fiquei muito satisfeito. Minha família, meus amigos ficaram muito felizes”, conta Higor.

BARREIRAS COTIDIANAS – No dia a dia, os desafios também são grandes para conciliar rotina de treinos e vida acadêmica. O jovem acorda bem cedo, às 4h, e se organiza para começar a primeira prática do dia em Sobradinho, às 6h. Uma hora depois, segue para a aula na Faculdade de Educação Física, no campus Darcy Ribeiro da UnB, na Asa Norte. À tarde, depois das atividades acadêmicas, realiza mais uma sessão de treinos na pista do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal, na Asa Sul.

“Na verdade, eu treino menos do que eu deveria, porque eu tenho que estar na aula e eu venho de transporte público, então tem um trânsito. Até chegar na UnB demora muito. Às vezes eu chego na Universidade por volta de 8h10, 8h15, e ainda chego atrasado, isso porque eu corro muito”, compartilha e menciona que, em algumas disciplinas, acaba levando falta por isso. O estudante aguarda a abertura para treinos da pista de atletismo inaugurada na UnB em setembro de 2023. 

Higor é o primeiro discente surdo da FEF. Em seu primeiro semestre de curso, teve dificuldade para obter a acessibilidade adequada para suas demandas acadêmicas. Passou parte deste período sem apoio de intérprete de Libras. “No começo, quando não tinha intérprete, fiquei dois meses me sentindo muito sozinho, isolado na Universidade e na sala de aula. Pegava o celular e tentava usar a legenda automática. Eu sempre estava em atraso em relação às informações”, afirma.

Apesar de ter encontrado assistência na Daces, o número de profissionais da área era insuficiente para que acompanhasse as aulas. Ele recorda que os poucos tradutores na ativa, recrutados também do Instituto Letras, se revezavam e nem sempre podiam prestar apoio em função de outras demandas.

“A disciplina de Anatomia é muito difícil. Então, tem que estudar bastante. Eu tinha que tentar interagir com as pessoas para que pudessem me ajudar. Mas eles não são intérpretes. Tanto é que reprovei em Anatomia. A presença do intérprete é de suma importância. Os amigos, ainda que tentassem me ajudar, não conseguiam”, lamenta, ainda assim, agradecido pelo auxílio dos amigos.

Higor também lembra da luta da diretora da Daces, Sinara Zardo, para reforçar a equipe de intérpretes da Diretoria no semestre seguinte. “Sem intérprete tudo fica difícil, com intérprete é possível. A Daces lutou por mim também. Hoje eu me sinto tranquilo e confortável quanto à acessibilidade na UnB”, celebra, elogiando a chegada de novos profissionais.

“Eu nunca vou parar de estudar e lutar, essa é a minha vida dentro da Universidade: tentar sempre me esforçar para tirar notas boas nas provas, nos trabalhos, em tudo o que envolve o contexto acadêmico”, ressalta. Higor projeta ser treinador de crianças no futuro.

TRAJETÓRIA DE ATLETA – Higor nasceu em Planaltina e foi para o Canadá com apenas seis meses de idade. Na mesma época, contraiu meningite e perdeu a audição. Ainda criança, os pais também descobriram sua dificuldade no equilíbrio e o incentivaram na melhoria das habilidades motoras.

Ex-atleta da seleção canadense de atletismo, docente e pesquisador sobre desenvolvimento motor para pessoas com e sem deficiência, o pai é a grande inspiração de Higor, tanto na opção pela modalidade quanto na decisão de cursar Educação Física.

“Quando eu tinha mais ou menos um ano de idade, bebezinho, ele mostrava imagens para mim e disse que eu apontei para uma imagem do atletismo. E eu via o meu pai treinando desde pequeno. Eu nasci na pista de atletismo, vamos dizer assim, por conta dos treinos do meu pai e ficava admirado, olhando diariamente. Então, fui me acostumando com esse ambiente, até que escolhi seguir por ele”, compartilha.

O jovem começou a treinar com quatro anos. Com 15, participou de sua primeira competição e foi ouro na prova de 110 metros com barreiras em um evento internacional em Cuba, representando a seleção canadense de atletismo. Em 2021, quatro anos após mudar-se com a família para o Brasil, foi convocado pela Confederação Brasileira de Desporto de Surdos para compor a seleção nacional e para participar do Mundial de Atletismo de Surdos, na Polônia.

Chegou à final com o tornozelo lesionado e, ainda assim, conquistou o bronze nos 110 metros com barreiras. “O terceiro lugar foi a primeira medalha que eu ganhei com o Brasil. Eu fiquei muito emocionado, então, nunca desisti. Eu sempre me esforcei, ainda que eu estivesse sozinho. Eu não desisti e foi muito bom”, alegra-se.

Em 2022, esteve na Surdolimpíada de Verão, em Caxias do Sul. Agora, a expectativa é conseguir patrocínio para participar do Campeonato Mundial de Atletismo Juvenil Surdo, que ocorre em julho, em Taiwan. “Eu tenho que continuar treinando, então, meu treinador falou: ‘bora, você quer mais um mundial? Você não tem que ter férias’. É um sacrifício a vida de atleta, mas eu continuo treinando”, admite.

ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL – A Diretoria de Acessibilidade (Daces) da UnB oferta apoio para a ampliação das condições de inclusão, participação e acessibilidade no ambiente acadêmico de estudantes com deficiência, transtornos do espectro autista, altas habilidades/superdotação ou transtornos funcionais específicos.

 

Atualmente, além de Higor, três estudantes surdocegos são assistidos por um dos serviços da Daces: o acompanhamento por intérpretes de Libras nas atividades em sala de aula e eventos institucionais da UnB. Dânnia Vasconcellos é uma destas profissionais que facilita no dia a dia o acesso aos conteúdos acadêmicos.

“Com uma equipe de cinco pessoas, nós atendemos sala de aula e toda a Universidade. É algo até muito difícil de organizar, mas a nossa prioridade de atendimento sempre é do estudante, porque ele não pode perder aula. Ele tem o direito de ter acesso a sua aula, e na Universidade quem garante essa acessibilidade são os intérpretes de Libras”, ressalta.

Há, ainda, o Programa de Tutoria para Acessibilidade, que seleciona estudantes para auxiliar nos processos de aprendizagem e participação na vida universitária dos discentes assistidos pela Daces. Todo ano, também são lançados editais para seleção de ledores e transcritores, para fomento à aquisição de tecnologias assistivas e para produção de materiais acessíveis.

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