MAIS HUMANA

Ato da Reitoria simboliza compromisso da instituição em respeitar a dignidade e a produção intelectual, construindo um futuro melhor que o passado

 

Universidade de Brasília, 1965. Em resposta à repressão militar impetrada no campus durante a ditadura, 209 professores e instrutores – quase 80% do corpo docente – pediram demissão coletiva. Nesta época, foi intenso o movimento daqueles que não permaneceriam na UnB. Entre essas pessoas estava Maria Clementina Duarte, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU).

À época ela atuava como assistente do professor Ítalo Campofiorito na disciplina Teoria e História da Arquitetura. Naqueles dias, o arquiteto Oscar Niemeyer foi perseguido pelo governo militar, e professores da FAU, em solidariedade, se manifestaram. Em tempos de ânimos inflamados, foi o bastante para serem retirados da instituição, tendo os rumos de suas vidas alterados.

Ao deixar a UnB e Brasília, Clementina foi a Paris. Recebeu uma bolsa do governo da França para cursar o mestrado em Estética na prestigiosa Sorbonne. Estudou no Institut D'Art et Métiers, onde conviveu com a arquiteta francesa Charlotte Perriand, criadora dos interiores e do mobiliário do famoso Le Corbusier.

A trajetória de Clementina foi longa. Passando por Londres e Helsinque, especializou-se em design de joias e tornou-se uma profissional premiada no ramo, mas sempre distante da Universidade de Brasília, mesmo após receber a anistia em 1988. Trinta anos depois, em abril de 2018, a ex-professora foi reintegrada ao corpo docente da UnB.

O ato assinado pela reitora Márcia Abrahão inseriu novamente Clementina no rol dos professores da instituição e reconheceu sua aposentadoria desde 1992. "A reintegração da professora Clementina é profundamente simbólica, pois procura reparar parte das graves violações que ocorreram no período da ditadura", frisou a reitora. "Nossa instituição, fundada sobre os alicerces da liberdade e da democracia, reafirma seu compromisso com esses valores e com o respeito aos direitos humanos", acrescentou.

Professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), Clementina Duarte esteve entre docentes que deixaram a UnB durante o regime militar. Reintegração aconteceu em abril. Foto: Arquivo pessoal

 

Ao agradecer a reparação, a docente reintegrada ressaltou a importância que a instituição teve em sua vida, apesar dos desvios. “Todas as oportunidades e a acolhida no exterior que recebi na minha juventude aconteceram porque eu estava vindo da UnB, uma das mais famosas e conhecida universidades na época, e pelo renome de Oscar Niemeyer na criação de Brasília”, afirmou.

A Secretaria de Comunicação (Secom) da UnB entrevistou Clementina Duarte, que relatou o clima vivenciado na Universidade na década de 1960. Ela também fez planos para seu futuro na instituição e deixou um recado à comunidade acadêmica atual.

Como estava a situação administrativa da UnB naquela época?
Um caos total. Muita confusão. Falta de autonomia universitária. Soldados armados por toda parte constrangendo alunos e professores. Sentíamos que o Brasil perdia o rumo do ensino de excelência. Estavam destruindo, além de uma universidade respeitada, uma faculdade de Arquitetura e Urbanismo modelo. Na FAU/UnB, havia os melhores arquitetos do país, dirigidos por Oscar Niemeyer. Assistíamos ao mestre Niemeyer desenhando projetos, Brasília sendo criada e erguida. Era uma dedicação completa dos professores às aulas e aos cursos de pós-graduação. Os jovens eram selecionados como os melhores dos seus estados. Eu vim da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Convivíamos na UnB com excelentes professores, como Glauco Campello, que foi posteriormente um dos grandes arquitetos da equipe de Oscar Niemeyer, e com artistas, como Athos Bulcão.

E como funcionava o campus?
O campus era internacional, com professores visitantes do Brasil e de renomadas universidades do exterior. Cheguei a uma Brasília com chão de barro. Morei na residência universitária dos professores. O curso de Teoria e História da Arquitetura era um marco, com sua análise das civilizações e suas respostas no resultado plástico da arquitetura. A visão de integração das artes, vivida à época, era um grande avanço. De repente, tudo isso estava desaparecendo diante dos nossos olhos.

Após sair da UnB, você recebeu algum apoio da Universidade?
O apoio, de fato, veio somente cerca de 20 anos depois, quando o professor Cristovam Buarque assumiu a Reitoria. Em 20 de março de 1987, ele enviou aos ex-professores afastados uma consulta sobre o interesse de reintegração ao quadro docente da UnB. Em 21 de abril do mesmo ano, eu respondi afirmativamente. Em seguida, foi criada uma comissão no Ministério da Educação com a finalidade de anistiar os professores afastados. Em 19 de fevereiro de 1988, vários ex-professores da UnB, inclusive eu, foram beneficiados pelo despacho do ministro Luiz Bandeira da Rocha Filho, que concedia a anistia prevista na Emenda Constitucional 26, de 27 de novembro de 1985. Essa medida, seguida de outras, fazia parte da política de reintegração dos professores afastados a partir de 1964.

Como você espera encontrar a UnB hoje?
Como um espaço de diálogo, democracia, ensino de qualidade e professores solidários, porque são esses os desejos dos idealizadores da nossa UnB. Ainda pretendo colaborar com a direção da FAU e da UnB, divulgando a experiência que tenho. Em 2017, fui homenageada pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Pernambuco como arquiteta pioneira, por minha contribuição à arquitetura no estado.

Que mensagem você deixa aos professores e alunos da Universidade?
Que tenham orgulho de pertencer e participar de uma instituição criada por idealistas. Essas pessoas trouxeram, há mais de 50 anos, o melhor da intelectualidade brasileira, cientistas, arquitetos, artistas, escritores, para o Planalto Central. Eles efetivamente construíram uma universidade moderna, democratizaram a estrutura e a gestão do ensino superior no Brasil e contribuíram para que a UnB fosse respeitada como é hoje, não só no país, mas no mundo acadêmico e profissional internacional.

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