“Há artigos bons e ruins, interessantes e maçantes. Deve-se pensar no leitor para escrever. Se lemos com dificuldade, o autor fracassou. Escrita clara é impossível de ser mal entendida”, afirma o professor emérito da Universidade de Brasília Maurício Gomes Pereira. “Para escrever mal o caminho é não pensar no leitor, ser vago, pomposo e verborreico e não revisar. Para escrever bem: revisar”, prossegue o epidemiologista.
Com essas e outras dicas, ele captou a atenção do público na palestra Redação e Publicação de Artigos Científicos, proferida na última terça-feira (13), no auditório 1 do Instituto de Ciências Biológicas. Promovida pela Coordenadoria de Capacitação (Procap), a palestra foi voltada para docentes da instituição.
Pereira é autor, entre outros, dos livros Epidemiologia: Teoria e Prática e Artigos Científicos: Como Redigir, Publicar e Avaliar. Hoje atua principalmente nas áreas de epidemiologia, informação para a saúde e comunicação científica. “Escrever melhora capacidade de leitura crítica, reflexão e pensamento sistemático. Redação não é apenas questão de forma. O texto final é reflexo da organização do pensamento”, comenta.
CAMINHO DAS PEDRAS – “Método científico é uma abstração. É uma série de etapas em que se examinam os dados, até encontrar um ponto que é hiato do conhecimento e que é publicável”, disse. Segundo o professor, escrever é um processo lógico, embora o cientista não percorra um caminho muito organizado durante a pesquisa. Ainda assim, quando escreve, é importante mostrar um método.
Em duas horas e meia de palestra, o professor detalhou dez passos para produzir um artigo científico de sucesso. A lista de instruções consta em artigo de Pereira, com mesmo nome, a ser publicado em breve na revista Epidemiologia e Serviços de Saúde 2017. “Uma pesquisa só está terminada quando seus resultados são divulgados corretamente”, reforça o emérito. “O fato científico é criado pela publicação. E o que é ciência? É o que foi publicado e que não foi refutado”, continua.
Pereira explica que o primeiro passo é saber o objetivo: “Não pode ser vago.” Deve ser claro e focado, para facilitar a redação. “O melhor é escolher um objetivo principal. Quando houver um secundário, coloque no método. Listar muitos objetivos atrapalha”, ensina.
Há três formas de pesquisar algo: pela descrição; pela busca de uma possível relação de causa e efeito e, finalmente, pela avaliação da qualidade de algum instrumento usado na área de pesquisa. “Para publicar, os melhores são a associação de causa e efeito e a verificação se algo funciona. O descritivo não tem recepção muito boa”, diz.
Além disso, a instrução de Maurício Gomes Pereira é conhecer bem a revista em que se planeja publicar. Ler os números anteriores, observar quais são as preferências de artigo, como são escritos os textos e quais são as instruções para os autores, geralmente disponibilizadas pelos periódicos.
Pereira reforça que cada área tem sua especificidade. Na Medicina, área da saúde e ciências aplicadas, usa-se, comumente a básica, composta por introdução, método, resultados e discussão (IMRD). “Serve para qualquer tipo de artigo”, considera.
“Antes de 1960, o IMRD não era muito usual. De 1970 para cá, trata-se de método padrão. Esse formato é consolidado em nossas áreas. Não adianta mudar, tem de escrever desse jeito”, afirma. Segundo Gomes, a estrutura ajuda tanto o leitor quanto quem escreve.
Sobre a introdução, o professor ensina: “É um paper em minuta, em que a conclusão é o objetivo. Coloque uma frase interessante no início para incentivar a leitura”. O método trata do que foi feito, quais foram os materiais e as técnicas utilizados. Já o resultado é a parte mais importante do pesquisador. “Use tabelas, gráficos e figuras.”
A discussão, para Pereira, é a fase mais difícil para o iniciante. Nela, há a interpretação dos resultados próprios e o significado dos achados em comparação com a literatura.
Das dicas mais reforçadas, a revisão do texto aparece no topo. “Quais as qualidades de um bom texto? Artigos claros, concisos, com linguagem adequada, exatidão, coerência, elegância; encantar o leitor, usar regras e a sequência lógica do IMRD”, diz.
SEGUNDA ETAPA – Uma vez enviado, e agora? Quanto tempo deve levar a espera? “Se for internacional, a resposta de recepção é quase imediata. Se for no Brasil, pode demorar de duas a três semanas. Pode ser necessário enviar mais de uma vez”, explica. Por isso, é importante contatar a revista e confirmar o recebimento do artigo.
Se retornar com pedido de revisão extensa, a sugestão é responder item por item, claramente, “para não embolar”. E, ainda, ser cortês, como reforça o professor: “Sempre dê razão a eles, agradeça a revisão.”
Ao ser perguntado por um participante da palestra se é ético o editor pedir para ser citado no artigo, Maurício Gomes foi categórico: “Não pode, de jeito nenhum. É complicado, porque você está na mão dele, mas eticamente é intolerável.”
E se o artigo for recusado pela revista, o que fazer? Maurício Gomes sugere conter o impulso e não mandar uma carta malcriada para o editor. “Engula o sapo. Se a recusa não veio com comentário ou motivo, significa que o editor não vai comentar mesmo. Não adianta escrever pedindo comentários. Se vier com sugestões, incorpore as boas e envie para outra revista”, diz, encorajando o pesquisador a sempre seguir em frente.