OPINIÃO

Caio Frederico e Silva é diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília. Doutor pela UnB e Arquiteto e Urbanista pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Coordenador do Laboratório de Sustentabilidade Aplicada à Arquitetura e ao Urbanismo (LaSUS/UnB) e pesquisador colaborador do Critical Landscapes Design Lab (GSD/Harvard University).

Caio Frederico e Silva

 

O Cerrado é o segundo maior bioma brasileiro cobrindo 25% do país. É também a segunda maior formação natural de floresta na América do Sul e a savana biológica mais rica do globo. Desempenha papel crucial de conexão entre todos os biomas do país e é o berçário de muitos dos nossos rios. O Cerrado abriga ainda 5% das espécies do planeta e 30% da biodiversidade do Brasil. Uma em cada quatro espécies ameaçadas de extinção no Brasil pertence ao Cerrado.

 

Por outro lado, o Cerrado tem menos de 3% de sua área efetivamente protegida e enfrenta hoje rápido processo de exploração. As tentativas de controle do desmatamento da Amazônia fizeram com que a indústria do agronegócio expandisse sua atuação no Cerrado. Prova disso é que houve aumento de 3% na ocupação do Cerrado entre 2002 e 2013, muito superior ao aumento de 1,23% observado na Amazônia Legal. Aliado a isso, a precariedade de controle do Estado na maioria das áreas de manejo florestal, o Cerrado converte-se no bioma mais devastado do mundo.

 

Hoje, 29% do Cerrado é coberto por pastagem. A região de Matopiba (acrônimo dos Estados Maranhão-Tocantins-Piauí-Bahia) é uma porção específica do Cerrado que representa a frente agrícola mais agressiva. Nos últimos 50 anos, o Cerrado reduziu em 50% de sua área original e o desmatamento aumentou em 61% nos últimos anos. O ritmo de destruição é alarmante, e não pode ser contornado com estratégias sustentáveis pontuais, é preciso uma mudança estrutural, com impactos nos nossos hábitos e modos de vida, e ela passa ela ideia que temos de Cerrado.

 

O Cerrado é o interior. É essencialmente a representação da natureza selvagem no território brasileiro. Neste sentido, sua visão popular "como uma erva daninha, apenas uma vegetação tortuosa e arbustiva" é, pois, um grande mal-entendido e facilita esse processo de exploração. Diferente da Amazônia, o Cerrado tem uma paisagem mais escassa, de aparência seca e um arranjo menos denso. Mas também tem raízes profundas, que entram em conexão e equilíbrio com um enorme aquífero subterrâneo. O Cerrado é, portanto, uma “floresta invertida”.

 

A conservação do Cerrado vincula-se à qualidade de vida de 30 milhões de brasileiros, pois abriga a cabeceira da maioria dos sistemas fluviais do país. Seis dos oito maiores reservatórios brasileiros são dependentes do Cerrado. Todo o Distrito Federal, por exemplo, sediado no Planalto Central do país, depende da qualidade ambiental do Cerrado. Nesse sentido, é fundamental proteger a área para alimentar o principal reservatório de águas do país.

 

A ideia de Cerrado representa um conflito ético e social significativo para o Brasil. Força-nos a repensar a nossa natureza. Precisamos ressignificar o Cerrado. Precisamos compreender que o processo de exploração e padronização das paisagens naturais promove perdas irreversíveis para a biodiversidade e a qualidade de vida. O amplo incentivo ao agronegócio no país, aliado à falta de educação ambiental nas mais variadas escalas – desde o ambiente local ao ambiente global, promove a destruição e gera impactos imediatos a todos. Enquanto as lentes da mídia estão voltadas para a Amazônia, o Cerrado está enfrentando uma crise aguda de exploração como se não houvesse amanhã.

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