Com a assinatura do acordo de cooperação técnica com a Associação Brasileira do Pito do Pango (Abrapango), entidade pioneira na luta pelo acesso seguro e humanizado da cannabis medicinal no país, a UnB consolida parceria científica para estudo dos processos de extração e controle de qualidade de produtos terapêuticos à base de maconha.
Resultado de iniciativa das professoras do Instituto de Química (IQ) Ana Cristi Basile e Fernanda Vasconcelos, o acordo foi assinado pelo Decanato de Pesquisa e Inovação (DPI) em agosto e celebrado oficialmente em setembro, durante encontro que reuniu representantes das duas instituições. Com vigência de três anos, o acordo garante a continuidade de pesquisas desenvolvidas com a associação e abre novas frentes de trabalho.
“Nossa expectativa é que essa colaboração se fortaleça ao longo desse período, avançando posteriormente para um acordo que permitirá desenvolver novos produtos, processos e tecnologias”, estima a professora Fernanda Vasconcelos.
No acordo vigente, a Abrapango fornece as amostras de produtos canábicos e a UnB disponibiliza estudantes, infraestrutura laboratorial e suporte técnico-científico para a condução das pesquisas, como explica a docente.
“Além desses aspectos, estamos trabalhando juntos na organização do segundo Cann&Quim [Simpósio Cannabis e Química] no DF, previsto para ocorrer em 2026. A cooperação envolve não apenas pesquisa, mas também ações integradas de divulgação científica”, destaca.
Para os próximos anos, a meta é ampliar o número de estudantes dedicados ao tema da cannabis medicinal, aprofundar o entendimento sobre adaptação e expressão das diferentes sementes em solos brasileiros e estabelecer parcerias com outras associações interessadas.
Pensando nisso, o grupo criou o Observatório Brasileiro Interdisciplinar da Cannabis, um centro integrado de pesquisa que atuará desde o desenvolvimento e validação de métodos de análise até a avaliação dos efeitos terapêuticos da cannabis na saúde dos pacientes.
Além das professoras do IQ Fernanda Vasconcelos e Ana Cristi Basile, o observatório é composto pelos professores do Instituto de Ciências Biológicas (IB) Fabian Borghetti, Gabriel Alves e Renato Malcher e pela professora Andréa Galassi, da Faculdade de Ciências e Tecnologias em Saúde (FCTS), UnB Ceilândia.
PARCERIA – O trabalho com a Abrapango surgiu por meio de contatos com uma associação de cannabis do DF que fez a ponte com as pesquisadoras do IQ. “Desde o início, ficamos muito satisfeitas em conhecer a Abrapango, uma das poucas associações que não apenas produzem e fornecem óleos medicinais aos pacientes, mas que também possuem liminar que autoriza a realização de pesquisas em parceria com universidades”, conta Fernanda.
“A partir desse diálogo, eu e a professora Ana Cristi Basile decidimos avançar nos estudos sobre cannabis, ampliando nosso trabalho para além da análise de óleos já diluídos e passamos a incluir outros produtos, como a própria resina”, explica.
Segundo a pesquisadora, a parceria busca contribuir para o aprimoramento da qualidade dos óleos produzidos – realizando análises de canabinoides e terpenos e apoiando a otimização de etapas como seleção de sementes, métodos de extração e escolha de equipamentos laboratoriais – e, ao mesmo tempo, garantir que os estudantes tenham acesso às amostras necessárias para o desenvolvimento de pesquisas de iniciação científica, mestrado e doutorado.
“Por meio dessa cooperação, a Abrapango tem fornecido as amostras que possibilitam a execução de diversos projetos hoje em andamento na Universidade, fortalecendo tanto a produção científica quanto a formação de novos pesquisadores na área”, diz Fernanda Vasconcelos.
PIONEIRISMO – A UnB desempenha um papel central no avanço da pesquisa em cannabis medicinal no Brasil. “Há um interesse explícito da Reitoria em consolidar a Universidade como uma referência nacional nesse campo. Esse movimento dialoga com uma tradição já existente na instituição”, observa Fernanda. A professora Andréa Galassi, da UnB Ceilândia, por exemplo, é uma das pioneiras no país e autora de estudos relevantes, incluindo pesquisas que mostram que a cannabis pode atuar como porta de saída para drogas de maior potencial de dano, como o crack – contrapondo o discurso tradicional de que a planta seria uma porta de entrada para outras drogas.
Da mesma forma, o professor Renato Malcher, do IB, dedica-se há décadas ao estudo dos efeitos terapêuticos da cannabis, sendo uma das principais referências na área. Vale mencionar também o professor Sidarta Ribeiro, hoje na UFRN, mas formado na UnB, que se tornou uma liderança nacional nas pesquisas sobre neurociência e cannabis medicinal.
“Nós, do Instituto de Química, ao integrarmos o novo centro integrado de pesquisa, temos a satisfação de nos juntar a esse grupo de pesquisadores que continuam liderando a produção científica sobre cannabis medicinal no Brasil”, manifesta Fernanda. A expectativa é que o centro se torne um polo agregador, capaz de reunir não apenas diferentes unidades da UnB, mas também outras universidades brasileiras que desejem colaborar. “Assim, o país poderá consolidar seu potencial como grande produtor de conhecimento sobre a cannabis – uma planta historicamente presente em nosso território, mas por muito tempo criminalizada, e que hoje começa a ser compreendida pela sociedade de maneira mais equilibrada”, completa a pesquisadora.
Do ponto de vista social, acredita-se que, à medida que associações como a Abrapango possam produzir e fornecer óleos de qualidade a baixo custo, haverá melhorias significativas na saúde da população em diversas faixas etárias. A cannabis já demonstra benefícios importantes para idosos em tratamentos de Alzheimer e Parkinson, para crianças com epilepsias refratárias ou condições do espectro autista, além de auxiliar em questões como ansiedade, dor crônica e distúrbios do sono, tão prevalentes na sociedade contemporânea.
Quanto à segurança no uso da cannabis, os pesquisadores reforçam que, assim como qualquer planta medicinal, ela não deve ser criminalizada, mas utilizada com responsabilidade. O risco maior recai sobre pessoas que fazem uso sem acompanhamento adequado, pois desconhecem aspectos essenciais como dose, potenciais efeitos adversos, interação individual com o organismo e horários mais adequados de administração. Por isso, quanto mais conhecimento científico, capacitação profissional e orientação médica qualificada estiver disponível, mais segura e eficaz será a utilização terapêutica da cannabis para toda a população.
AVANÇOS – A UnB foi a primeira instituição do país a solicitar importação de canabidiol para fins de pesquisa, em 2019. O acordo com a Abrapango representa mais um avanço, agora, no controle de qualidade e melhoria de óleos medicinais produzidos no Brasil.
No início desse mês, ocorreu na ADUnB, seminário sobre os benefícios da cannabis, promovido pelo Instituto BioSer em parceria com a Federação das Associações de Cannabis Terapêutica. Além de mostrar os benefícios da maconha medicinal, o seminário expôs itens de vestuário e higiene feitos do cânhamo, como roupas e absorventes íntimos.
