GEOPOLÍTICA

Para pesquisadores presentes em encontro que trouxe estudos sobre rotas de escravos e ritos religiosos, comunidades remanescentes exercem até hoje papel importante de construtores da memória do povo africano

Colóquio aconteceu no Centro de Excelência em Turismo (CET) da UnB. Foto: Mariana Costa/Secom UnB

 

Um perfil adequado do papel das culturas africanas e da presença afrodescendente na formação do Brasil e da identidade nacional ainda merece atenção, investigação e conhecimento. Com essa afirmação, o professor Rafael Sanzio dos Anjos, coordenador do Centro de Cartografia Aplicada e Informação Geográfica da Universidade de Brasília, expôs a importância do colóquio Geopolítica e Cartografia da Diáspora África-América-Brasil, que prossegue até esta sexta-feira, 29 de junho.

Com a participação de militantes e especialistas, a África, o território e a geopolítica colonial do Brasil, bem como os espaços africanizados no Brasil e suas referências de resistência, sobrevivência e reinvenção foram debatidos nesta terça-feira, 27 de junho. “Essa é uma questão estrutural ainda pendente no Estado brasileiro”, ressalta Sanzio. O Mapa Educacional: Geopolítica da Diáspora África-América-Brasil, de sua autoria, foi lançado ao final do encontro.

O antropólogo e professor da Universidade Federal Fluminense, Milton Guran, aproveitou o evento para expor o que chama de rota dos escravos, “as cem localidades mais representativas da maior tragédia de diáspora forçada da história” – iniciativa da Unesco que registra os lugares-chaves para a memória da cultura negra brasileira. Elaborado sob sua coordenação, o documento "Inventário dos lugares de memória do tráfico atlântico de escravos e da história de africanos escravizados no Brasil" integra o projeto da Unesco "Rota dos Escravos, resistência, herança e liberdade". Iniciada em 1993, a proposta é conferir visibilidade aos estudos e pesquisas sobre o tráfico negreiro no mundo e suas marcas na formação de nações. Guran explica que o inventário não é exaustivo, comportando ainda sugestões de locais emblemáticos de chegada dos africanos, como portos, cais, praias, quilombos, marcos de revoltas, irmandades, terreiros e outros espaços de culto e tradição afro. Apesar de o Brasil possuir a segunda maior população negra do mundo, perdendo somente para a Nigéria, o país foi um dos últimos a aderir à iniciativa.

CANDOMBLÉ Após saudar os orixás, reverenciando com uma cantiga de Oxalá seus ancestrais, a educadora e historiadora Vanda Machado, do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, trouxe reflexões sobre o universo afrorreligioso brasileiro, falando sobre o candomblé, a umbanda e os espaços sagrados desses cultos e ritos. “O africano foi arrancado de sua terra, de seu lar. É mais que natural e legítimo a busca pelas origens, pela ancestralidade.”, disse, constatando a exclusão dos povos tradicionais de terreiro das políticas públicas e defendendo que a coordenação de políticas públicas para o povo negro se transforme em secretaria.

OUTRA ÁFRICA – A forçada, violenta diáspora dos africanos para o Brasil, após a travessia do Atlântico, trouxe a necessidade de estes se refazerem e se reinventarem em um território, de início, inóspito e desconhecido. Com essas considerações, a professora Zélia Amador, da Universidade Federal do Pará, destacou o quanto esses territórios, em especial os quilombos, vêm sendo ressignificados tanto para conservar a memória dos negros quanto na luta por uma sociedade efetivamente livre e sem discriminação racial. Para a professora, essa resistência vem ganhando força, sendo atualizada a cada dia, aproveitando para criticar “o mito da mestiçagem” trazida pela República: “política de apagamento dos negros e índios em nome de uma hegemonia branca, quase uma forma de genocídio dessas raças”.

Educadora e historiadora Vanda Machado participou do I Colóquio Geopolítica e Cartografia da Diáspora África-América-Brasil. Foto: Mariana Costa/Secom UnB

 

A visita de dez comunidades maranhenses de quilombolas a Cabo Verde e Guiné Bissau, projeto financiado pela União Européia, foi apresentada pela professora da UnB, Glória Moura, para marcar “o recorrente movimento de regresso às origens e a importância de se conhecer os trajetos da escravatura”. Segundo avalia, “o brasileiro, em geral, não quer saber de suas origens africanas e isso precisa mudar”. Para Glória, “é fundamental que as políticas públicas de educação confiram mais ênfase à cultura negra”. Como exemplo, citou as diretrizes curriculares nacionais para a educação escolar quilombola, processo ainda em curso. A iniciativa institui a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afrobrasileira e africana nos currículos das escolas públicas e privadas da Educação Básica. A resolução foi tomada na Conferência Nacional de Educação, em 2010. “Somente assim recuperaremos e reforçaremos a verdadeira identidade brasileira”, conclui.

BRASIL E SENEGAL – Por fim, a embaixadora do Brasil no Senegal, Maria Elisa Luna, encerrou o colóquio, declarando-se absolutamente afinada e identificada com a cultura africana e defendendo o engajamento de todos os brasileiros em suas origens. De acordo com a diplomata, “o olhar precisa mudar, pois os países africanos são muito mais que meros territórios de negros e, sim, nações extraordinárias, cruzamentos de várias civiliações. São países que não querem ser vistos como guetos, mas como uma interessante e rica parte do mundo”. Após morar em diversos países na Europa e na América, contou que foi na África que encontrou seu porto: “ali experimentei o pertencimento”, aproveitando para recomendar que “cada um de nós pode inventar sua narrativa, guiar o seu caminho em direção à África”.

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