MEMÓRIA

Mestre Teodoro Freire encontrou na UnB um espaço de articulação para a sua epopéia nas profundezas da cultura popular brasileira

Foto: Eraldo Peres

 

A morte de Seu Teodoro no ano do cinquentenário da UnB eterniza uma aliança que é expressão da própria história da universidade. Brasília celebrava seu primeiro ano de existência no dia em que desembarcou na cidade aquele jovem maranhense, com seus 31 anos, vindo do Rio de Janeiro para presentear a nova capital com a beleza singela de uma das manifestações mais autenticas da tradição popular de terras tropicanas. 

 

Foi no coração da capital do Brasil, a rodoviária do Plano Piloto, que o boi agitado e colorido praticou suas primeiras peripécias candangas, como que convidando aquelas pessoas a experimentar – para além da construção física de toda uma cidade – a construção simbólica de elementos identificadores da nova comunidade em formação. “O boi de Seu Teodoro, embora remonte a tradição popular do Maranhão, ganhou contornos próprios ao se consolidar em Brasília. Assim como a Via Sacra de Planaltina ou o Clube do Choro, a tradição folclórica do bumba-meu-boi ajudou a construir um perfil cultural de uma cidade que se criou artificialmente”, analisa o professor José Carlos Córdova Coutinho, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo.

 

Ex-diretor do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do DF, Coutinho lembra que o bumba-meu-boi do seu Teodoro foi uma das primeiras manifestações artísticas a receber o registro de patrimônio imaterial da cidade.

 

ESCOLHA – Após essa primeira visita, Teodoro recebe o convite para voltar de vez ao Distrito Federal. Antes de topar, porém, recusou convites para trabalhar no Senado e na então guarda-civil local. Só não titubeou quando surgiu a chance de ser contínuo na UnB, em 1962, meses após a inauguração  da universidade, onde permaneceu até sua aposentadoria compulsória, em janeiro de 1991. “Mesmo depois de se aposentar, Seu Teodoro não se desligou da universidade, vinha aqui sempre encontrar-se com professsores e funcionários. Ele queria saber de tudo o que acontecia”, relembra a professora Geralda Dias, do Departamento de História. 

 

Aqui, o criativo maranhense encontrou o espaço de articulação e fruição artística necessários ao desenvolvimento da brincadeira do boi. No horário de almoço, relata o jornalista Eraldo Peres no livro O Ecantador: Seu Teodoro do boi, o mestre se “enfurnava” na carpintaria da  universidade onde fabricava “uns pandeiros quadradros”. As primeiras apresentações – quando o recém-formado grupo de bumba-meu-boi já ensaiava em um terreno doado na cidade de Sobradinho – só foram possíveis graças ao apoio financeiro de Darcy Ribeiro, que viabilizou a compra de adereços, roupas e instrumentos com 65 mil cruzeiros. 

 

A relação com a UnB atravessou todas as crises, inclusive o cerco militar da ditadura, que afastou professores e alunos, ameaçando a continuidade do grupo de cultura popular. Seu Teodoro narra no livro de Peres a angústia com que assistiu, ao vivo, a prisão do estudante Honestino Guimarães: “O Honestino gritando, eles torcendo o braço do Honestino. Ele veio várias vezes em Sobradinho ver o ensaio do boi e nós conversávamos muito”.

 

IMPORTÂNCIA – “Seu Teodoro, em si, é a expressão do cinquentenário da UnB”, sintetiza o reitor José Geraldo de Sousa Júnior. Preparando as comemorações oficiais para 2012, o dirigente assegura que o legado do artista será tratado na dimensão de sua relevância histórica. “Sem dúvida, faremos o tributo em homenagem por sua trajetória e ligação com a universidade”, projeta. “Tanto a cidade quando a universidade só vão se consolidar quando incorporarem em seu calendário de memórias o produto da criatividade de seu povo, e mestre Teodoro é figura inconteste nessa moldura”, conclui Coutinho.  

 

Emocionado com o tamanho da perda, o cineasta e professor emérito da Faculdade de Comunicação da UnB, Vladimir Carvalho, também situa mestre Teodoro em um lugar destacado na formação da cultura brasiliense. “A atuação dele foi irreversível, Teodoro sozinho constitui um capítulo da história cultural da cidade”. O cineasta, nordestino da Paraíba, diz que cruzou a primeira vez com seu Teodoro nos corredores do Instituto de Ciências Humanas, há mais de 40 anos.

 

“Somos oriundos da mesma região do país e essa afinidade nos aproximou a ajudou a construir uma forte amizade”. A influência chegou ao cinema. “Reputo a ele uma contribuição extraordinária para o meu trabalho. Teodoro me proporcionou depoimentos sobre bumba-meu-boi em documentários que eu dirigi. Trata-se de um memorialista nato”, enfatiza. “Uma vez, propus que a UnB lhe concedesse o título de Doutor Honoris Causa, talvez seja o reconhecimento simbólico mais legítimo de sua contribuição”, completa. 

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