A UnB realizou, na última sexta-feira (21), mesma data em que se comemora o Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial, uma audiência pública para discutir o futuro das cotas para negros e o modelo da política de ações afirmativas a ser adotado pela universidade nos próximos anos. O evento reuniu alunos, professores, servidores e representantes da sociedade civil no Anfiteatro 9 do Instituto Central de Ciências (ICC), onde foi apresentado relatório com os resultados alcançados com a política, instituída na UnB há 10 anos.
“A UnB vive, neste momento, uma situação de transição muito peculiar ao ter que implementar a lei de cotas do governo e, simultaneamente, decidir se vai manter algum sistema próprio de cotas étnicas e raciais”, diz trecho do documento elaborado por comissão instituída pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE) da UnB, responsável por avaliar os 10 anos de cotas na universidade. A Lei Federal 12.711/2012 instituiu, até 2016, a reserva de 50% das vagas no ensino superior público para candidatos que tenham estudado integralmente em escolas públicas.
A maioria dos presentes mostrou-se favorável à manutenção de ao menos 5% das vagas pelo sistema de cotas da UnB, como o professor José Jorge de Carvalho, um dos idealizadores das cotas para negros na UnB. “A lei não foi pensada com o rigor que merecia. Ficar só com a lei do governo é retroceder”, avalia o docente. Para a professora Renísia Cristina Garcia, da Faculdade de Educação, a reserva de 5% das vagas para negros é simbólica “É muito importante para nós ter esses 5%. Para que a discussão de cotas continue”.
Durante a audiência pública, a professora Alejandra Leonor Pascual, da Faculdade de Direito da UnB, anunciou que o colegiado da unidade acadêmica votou a favor da proposta de manutenção de 5% das vagas para cota irrestrita para negros. Os professores da FD aprovaram ainda a criação de uma comissão que deverá apresentar proposta para criação de cotas para negros na pós-graduação em Direito e em concursos para professores da UnB. A notícia foi comemorada efusivamente pelos presentes.
De acordo com a comissão de avaliação, a política de inclusão adotada pela universidade garantiu o acesso de mais de seis mil estudantes negros ao ensino superior público, sendo que 18% já estão formados. O documento mostra ainda que muitos deles não teriam ingressado na UnB se não fosse o sistema de reserva de vagas adotado pela instituição. “Alguns estudantes, cerca de 30%, ingressariam na UnB sem as cotas, mas 70% só ingressou por causa da reserva de vaga”, revelou o decano de graduação, Mauro Rabelo, responsável por apresentar o relatório à comunidade.
LEI DE COTAS – “Deve-se considerar que ela [Lei Federal] significa um retrocesso, enquanto política de inclusão étnica e racial, quando comparada com o sistema de cotas específico da UnB”, diz parecer da comissão. De acordo com os responsáveis pelo levantamento, com a Lei Federal, as vagas reservadas para negros pobres que não forem preenchidas não serão ofertadas aos negros de classe média, mas aos brancos pobres. “Resumindo, a Lei 12.177 promoverá um crescimento da igualdade racial e de classe na base da pirâmide social e permitirá a continuidade e mesmo o crescimento de uma intensa desigualdade racial e social no topo da pirâmide de renda, prestígio e poder”, expõe o relatório.
A política de Estado também opera com exclusões no caso dos alunos indígenas. “Nesse sentido, vale lembrar que vários dos estudantes indígenas que entraram na UnB pelo Plano de Metas cursaram o ensino médio em escolas privadas vocacionais com bolsas”, menciona o documento elaborado por professores da UnB. No relatório, são sugeridos três modelos para a política de ações afirmativas da UnB a partir de 2014. Veja no quadro abaixo.
COTAS DA UnB – A Universidade de Brasília foi a primeira instituição federal de ensino superior a implantar o sistema de cotas para negros em seu processo de seleção. A política de reserva de vagas foi aprovada pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE) em 2003, após ampla discussão, iniciada em 1999, junto à comunidade acadêmica, depois de um caso de racismo protagonizado na pós-graduação em Antropologia da UnB.
Quando o CEPE aprovou o modelo de inclusão de negros na universidade, estabeleceu ainda o Plano de Metas de Integração Social, Étnica e Racial da UnB, determinando a inclusão de 20% dos estudantes negros ao ensino superior ao longo de uma década, quando a medida deveria ser reavaliada. O relatório apresentado pela comissão mostrou que a meta não foi atingida. “[...] a UnB implementou, de fato, apenas 15% de cotas ao longo de dez anos e não 20%, conforme consta no Plano de Metas votado pelo CEPE”, diz o documento.
O resultado da audiência pública e as proposições feitas pelos presentes serão apresentados aos membros do CEPE no próximo dia 3 de abril, quando o colegiado se reúne para decidir os rumos da política de ações afirmativas da UnB. “Que essa audiência nos ilumine a fazer boas escolhas”, disse a vice-reitora da UnB, Sônia Báo, no início do debate.