“Enquanto uma única mulher morrer em Brasília, no Brasil, nas periferias das grandes capitais e da América Latina, somos devedores dessa agenda”. Com essas palavras, a diretora da Faculdade de Ciências da Saúde (FS), Maria Fátima de Sousa abriu a manhã de atividades do Seminário Lei do Feminicídio: Processo Histórico, Aplicação e Desafios, realizado na terça-feira (28), na Universidade de Brasília. O encontro integra as ações do Grupo Permanente de Trabalho Contra o Feminicídio e Todas as Formas de Violência contra a Mulher, que propõe debates sobre o tema, além de medidas para minimização dos homicídios e violência contra a mulher na capital federal.
Durante o evento, foi lançada a portaria da Secretaria de Estado da Segurança Pública e da Paz Social do Distrito Federal (SSP-DF) que institui o Núcleo de Enfrentamento ao Feminicídio (NEF). Vinculado ao Programa Viva Brasília: Nosso Pacto pela Vida, a iniciativa articulada entre órgãos responsáveis por políticas sociais e de segurança, além do sistema de justiça criminal, visa o desenvolvimento e fomento de políticas, ações e programas voltados para a prevenção das mortes de mulheres, travestis e transexuais. Também prevê a investigação e a punição dos crimes de gênero praticados contra elas.
“A mulher não pode ser coisificada e tratada de uma forma reduzida secularmente em um país que protagoniza cenas extremamente inovadoras, mas que nesse assunto é arcaico”, defendeu a secretária da Secretaria de Segurança Pública -DF, Márcia de Alencar Araújo. Irão atuar de forma integrada no Núcleo, além da SSP-DF, as secretarias de Trabalho, Desenvolvimento Social, Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos, de Saúde, Corpo de Bombeiros, Polícias Civil e Militar, e ainda Conselho dos Direitos das Mulheres do DF, Defensoria Pública, Ministério Público, Tribunal de Justiça.
Márcia de Alencar ainda destacou: “Essa portaria traz um elemento inédito: vai desenvolver um serviço, a partir da lei aprovada no ano passado, que reconhece o feminicídio como crime, que possa também, além das meninas e mulheres, reconhecer as travestis e transexuais como passíveis desse tipo de previsão legal”.
O Brasil é o quinto país com maior taxa de homicídio de mulheres no mundo. Já Brasília é a 20a capital onde mais ocorrem esses crimes. Reduzir esses índices é uma tarefa que o secretário do Estado do Trabalho, Desenvolvimento Social, Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos do DF, Joe Valle, considera que deve se iniciar na educação. Para ele, o envolvimento de professores nas discussões é essencial para que possam contribuir com referências positivas sobre gênero nas escolas.
Já a colaboradora do Governo do DF, Márcia Rollemberg, avaliou os avanços nos últimos anos no enfrentamento à violência contra a mulher na Capital Federal, mas considerou que o trabalho pode se ampliar com integração, envolvimento dos homens na causa e, sobretudo, com iniciativas na área da educação. “Temos que construir uma nova geração nesse país, para que possamos mudar as estatísticas”, apontou como uma de suas expectativas.
CONTEXTUALIZAÇÃO – Ainda no Seminário, um painel de discussão abordou o contexto de criação da Lei do Feminicídio, que entrou em vigor em março de 2015 e tipifica o crime contra mulheres pela sua condição de gênero como agravante para homicídios, além de considerá-lo hediondo. A lei é fruto dos trabalhos da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Violência contra a Mulher do Congresso Nacional e da mobilização de movimentos feministas nas últimas décadas em discussões sobre a temática.
“É necessário que o Estado e a sociedade façam um debate mais aprofundado sobre o que é machismo, o que é patriarcado e como eles nos atingem”, reforçou a presidente do Conselho do Direito das Mulheres do DF e uma das convidadas do painel, Wilma Rodrigues, além de pontuar a necessidade de criar novos equipamentos públicos que lidem com o problema.
Ao lembrar o histórico de lutas dos movimentos feministas até chegar à consolidação da Lei Maria da Penha e, em seguida, da Lei do Feminicídio, a especialista em gênero e violência contra a mulher Aparecida Gonçalves alegou que a partir dessas políticas o Estado assumiu o papel definitivo de combate à violência contra a mulher. Gonçalves considerou que ainda é preciso maior integração dos órgãos públicos, ampliar as discussões, dar maior visibilidade à forma como ocorrem os assassinatos e empoderar as delegacias especializadas no papel de investigação dos crimes. “É preciso que essa discussão do feminicídio, que já avança no campo teórico e do debate, também avance no campo das investigações”, comentou.