O trabalho de conclusão de curso de dois alunos da Ciência da Computação da Universidade de Brasília vai ajudar na alfabetização de adultos com deficiências intelectuais e inclusão deste público na internet e nas redes sociais. Batizado de Projeto Participar, o programa desenvolvido por Tiago Galvão e Renato Domingues, sob a supervisão do professor Wilson Veneziano, será distribuído nas escolas mantidas pela Associação de Pais e Amigos de Excepcionais (APAE).
Parceira do projeto, a Secretaria de Educação também estuda a possibilidade de adotar o programa nos 13 centros de educação especial da rede pública de ensino do Distrito Federal. "É um público grande que pode se beneficiado por um programa voltado para adultos, que não é infantilizado", afirma Maraísa Borges Pereira, pedagoga da Coordenadoria de Educação Inclusiva da Secretaria de Educação, que participou das discussões para execução do projeto.
A ferramenta será apresentada à comunidade acadêmica nesta quinta-feira, 5 de julho, às 15 horas, no auditório do Centro de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Universidade de Brasilia. O software taz informações sobre cada uma das letras e exemplos de objetos nas quais são utilizadas, além de exercícios em que os alunos devem escrever os nomes dos objetos que aparecem em fotos. "As palavras escolhidas fazem parte do cotidiano deles", afirma Maraísa Borges. Ela explica que quem tem deficiências intelectuais precisa dispor de uma memória do objeto para poder escrever sobre ele: "Assim, os exercícios são baseados em palavras concretas, como arroz e lua, enquanto conceitos abstratos como amor ou saudade são evitados", esclarece. "Esse software foi feito para o uso conjunto do aluno com o professor", explica Wilson Veneziano.
Para garantir que os alunos se familiarizem com o software, os desenvolvedores convidaram dois jovens, um rapaz e uma moça, com Síndrome de Down para gravar os vídeos que explicam as atividades. "Isso cria um laço com quem usa o programa. Ele se torna menos hostil", acredita Maraísa Borges. A especialista ressalta que os deficientes intelectuais não se resumem a quem tem Síndrome de Down, mas sim a todos que têm dificuldades cognitivas de aprendizagem. "Eventualmente o programa pode ser usado até por pacientes com Alzheimer, por exemplo."
Uma das preocupações dos desenvolvedores era criar um software leve, capaz de rodar em computadores com baixa capacidade. "As vezes dava vontade de colocar mais efeitos, vídeos em alta qualidade, mas a gente resistiu", brinca Tiago Galvão, um dos alunos que idealizou o Projeto Participar.
TESTE - No final do ano passado, a primeira versão do Projeto Participar foi testada na unidade da APAE, localizada na Asa Norte. Kelly Assunção, coordenadora de programas acadêmicos da Associação, explica que a maioria dos alunos da entidade são maiores de 14 anos que não aprenderam a ler na escola e não se identificam com materiais infantilizados de ensino que geralmente estão disponíveis. "Eles têm deficiência, mas trazem uma bagagem de vida, de coisas que sabem e com as quais se identificam. É mais fácil aprender quando se tira proveito disso", afirma.
Depois dos testes, os alunos da APAE fizeram sugestões e recomendações, que foram levadas em consideração na versão final. "Para quem tem deficiência intelectual, acessibilidade é comunicação”, explica Maraísa Borges. Daí, o nome Projeto Participar, justamente para que os alunos usuários do software participem da vida social. "Eles têm de fazer amizades, conversar, arrumar namorada, e as redes sociais são um bom lugar para isso", diz.
Para treinar essas habilidades, o software oferece um bate-papo simulado como ferramenta. É uma espécie de treinamento para uma conversa na internet. O usuário entra no programa e começa uma conversa com um dos garotos que gravaram o vídeo. Tudo dentro de um script determinado. "Assim não há uma impaciência do outro lado, já que se acostumam aos poucos a usar essa ferramenta", afirma Maraísa Borges.
FUTURO - A parceria da APAE e da Secretaria de Educação com o professor não para por aí. Wilson Veneziano começou a desenvolver outros softwares voltados a deficientes intelectuais. São programas que trazem orientações sobre algumas tarefas específicas para empregos, como equações matemáticas. Há ainda um programa - "a menina dos meus olhos", conta Maraísa - para ensinar "habilidades da vida diária". "São coisas simples e necessárias, como escovar os dentes, amarrar o sapato, passar um batom ou pentear o cabelo", explica o professor. Quando pronto, o programa permitirá que os alunos vejam a si próprios, como o avatar, personagem que desempenha as ações, no computador. O problema é o financiamento. "Nós criamos o Projeto Participar com dinheiro do próprio bolso. Para projetos mais sofisticados seria essencial ter alguma espécie de patrocínio ou ajuda financeira", afirma.
Na cerimônia de lançamento do Participar, estarão presentes representantes da Diretora do Departamento de Ações Regionais para Inclusão Social do Ministério de Ciência e Tecnologia, da Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência da Presidência da República. Na ocasião, serão distribuídas cem cópias do projeto.