Na avaliação da especialista em Psicologia Educacional Denise de Souza Fleith, do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB), o atual modelo de ensino não estimula a criatividade, o que, mais adiante, impacta negativamente a produção científica e a inovação. A afirmação foi feita durante o 7º Encontro Preparatório para o Fórum Mundial de Ciência, nesta quinta-feira (22), em Brasília.
"Apesar de ser uma habilidade muito importante a desenvolver, a criatividade ainda não se insere nas práticas pedagógicas", disse em sua apresentação. Para a pesquisadora, um dos obstáculos se deve à formação dos professores "Eles reconhecem que é importante desenvolver atividades com esses alunos, mas a grande maioria não sabe como fazer".
Para mudar essa realidade, Denise sugere que os docentes desenvolvam trabalhos que levem os alunos a definir os problemas e não apenas a resolvê-los. Também aconselha que promovam um ambiente de estudo seguro, no qual os jovens não tenham medo de errar, para "que possam ser mais ousados e passem a considerar o erro como uma etapa da aprendizagem".
A importância de estimular a criatividade durante a formação escolar se deve, segundo dados apresentados pela especialista, à trajetória da produtividade científica do indivíduo, que tem início aos 20 anos e alcança o ápice por volta dos 40. "Após os 40 anos, essa curva declina suavemente, mas não tão rapidamente quanto ascendeu, aos 20 anos de idade. Com essa curva é possível dizer que um indivíduo pode ser mais criativo aos 70 anos do que aos 20”, destacou.
Mais um fator que determina o nível de criatividade, acrescentou, é a relação entre a quantidade e qualidade da produção científica. "Em se tratando de criatividade, a gente diz que quantidade gera qualidade", diz Denise. Ela explica que isso decorre do fato de que quanto maior for a produção de um indivíduo, mais chances ele terá de realizar algo novo e inovador, comprovando que existe uma relação entre quantidade e qualidade. “Os ganhadores de Prêmio Nobel, por exemplo, publicavam duas vezes mais do que os pesquisadores que não ganharam o prêmio”, justificou.
ACESSO AO CONHECIMENTO - Ampliar o acesso à informação é uma forma de minimizar as dificuldades da inovação e dirimir as deficiências educacionais da população no campo da ciência é ampliar o acesso à informação. É o que defende o pesquisador Gilberto Lacerda, ligado ao Departamento de Métodos e Técnicas da Faculdade de Educação da UnB, que tratou do tema em sua palestra sobre Acesso ao conhecimento e divulgação científica, também durante o evento.
“Vários estudos demonstram que o conhecimento científico disseminado torna as sociedades menos tecnocratas”, ressaltou. Com essa prática, segundo o pesquisador, teremos consumidores mais críticos, capazes de promover desenvolvimento social, econômico e sustentável, minimizando, ainda, as desigualdades sociais. “Devemos nos alicerçar em conhecimento científico e tecnológico para a construção de uma sociedade mais sustentável. Esse conhecimento torna o ser humano mais responsável”, avaliou.
O pesquisador falou ainda sobre a importância de investir na formação básica e como a baixa alfabetização científica tem efeito na formação superior, sobretudo na instrução dos próprios responsáveis pelos processos de aprendizagem, os pedagogos. “Uma aluna minha confessou que os únicos livros que ela leu foram os do Harry Potter”, lamentou o estudioso.
Gilberto Lacerda atribui o esvaziamento no campo científico à formação dos pedagogos. “Chegam com uma série de deficiências e em quatro anos se transformam em professores”, disse. Por isso, a seu ver, a formação continuada não é eficaz para o desenvolvimento dos educadores do país. "Precisam de uma formação inicial com mais rigor, o que implica investir de alguma forma nos cursos de formação dos professores", acrescentou. Para o pesquisador, "as faculdades de Educação deveriam ser grandes laboratórios de inovação”.
DILEMAS MORAIS - Em outra palestra realizada na manhã de hoje, o diretor da Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina, Biotecnologia e suas Especialidades (Abifina), Reinaldo Guimarães, falou sobre o desenvolvimento de tecnologias e infraestruturas de produção de insumos para a saúde.
Segundo Guimarães, nos últimos 100 anos as práticas de saúde estão inteiramente ligadas à tecnologia de base científica, e isso dá origem a dilemas. “Toda novidade é uma luz que lança sombras, portanto essa penetração de ciência e tecnologia nas práticas de saúde gerou também alguns problemas, dilemas morais que têm que ser discutidos”, alertou o professor.
O diretor da Abifina citou como exemplos de dilemas já resolvidos pelo governo brasileiro “a pesquisa com células-tronco embrionárias e a definição de morte com vistas a auxiliar políticas de transplante de órgãos”.
HUMANIDADES - Já o presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), Gustavo Lins Ribeiro, falou sobre o papel da ciência na promoção da justiça social.
“Desenvolvimento é um objetivo mundial, mas, pela via pacífica e democrática, como alcançá-lo sem conhecer a cultura, as relações sociais, econômicas, a política e a história do povo que deve abraçá-lo?”, questionou. “É óbvio que a vida, com sua imensa complexidade, não se reduz a átomos, a estradas, portos, hidrelétricas ou estádios.”
Ribeiro enalteceu a importância de ciências sociais e humanas para o desenvolvimento, “porque ele envolve múltiplas dimensões do humano, da nossa experiência com os outros, do nosso entendimento do que é a boa vida, do que é o certo e errado no coletivo político e social, das normas que implementamos para lidar com as nossas diferenças e com os conflitos internos e externos ao país.”
Leia mais sobre o encontro em Brasília e assista aos debates.