CIÊNCIA

Prêmio Nobel de Química defendeu pesquisa de base e persistência dos cientistas

Foto: Isa Lima/UnB Agência

 

Na tarde desta quinta-feira (25), o biólogo Martin Chalfie, Prêmio Nobel de Química em 2008 e mais recente Doutor Honoris Causa pela Universidade de Brasília, realizou a palestra “Proteína Verde Fluorescente: Iluminando Vidas” para um público que lotou o auditório da Faculdade de Tecnologia da UnB.

 

A atividade foi parte do Nobel Prize Inspiration Initiative, programa que promove debates com ganhadores do Prêmio Nobel em centros universitários e de pesquisa, numa parceria entre a Nobel Media, empresa que administra os direitos de mídia do Prêmio Nobel, e a companhia biofarmacêutica AstraZeneca.

 

Em sua visita à UnB, Chalfie também foi condecorado com o título de Doutor Honoris Causa e participou de conferência com estudantes de graduação e pesquisadores da universidade.
Os estudos realizados no laboratório onde Martin Chalfie trabalha foram desenvolvidos a partir das descobertas do químico japonês Osamu Shimomura, que conseguiu isolar pela primeira vez a Proteína Verde Fluorescente (em inglês, Green Fluorescent Protein – GFP), a partir de experimentos com medusas e águas vivas.

 

Chalfie e seus colaboradores da Columbia University, nos Estados Unidos, aprimoraram a utilização da Proteína Verde Fluorescente como marcador biológico que permite aos cientistas mapear o funcionamento das células em organismos vivos. Essa descoberta tem servido de base para diversas outras investigações pode ser aplicada em pesquisas de diversas áreas. Por meio dela, pesquisadores têm descoberto a forma detalhada como se dá a transmissão do vírus HIV e inclusive encontrado maneiras de descobrir minas terrestres enterradas, por exemplo.

 

Segundo ele, a GFP possui algumas vantagens importantes: 1) pode ser inserida no DNA de seres vivos e ser repassada aos seus descendentes; 2) não interfere de maneira prejudicial na biologia do animal; 3) seu tamanho reduzido permite que ela preencha toda a célula; 4) com esses fatores, é possível visualizar a vida enquanto ela acontece, de maneira dinâmica.

Foto: Isa Lima/UnB Agência

 

O laureado contou alguns dos obstáculos que teve para conseguir chegar aos resultados. Um deles era a falta de microscópios adequados para a visualização da proteína no laboratório. Para resolver esse problema, ligou para as empresas representantes de fábricas dos microscópios de que necessitava e pediu que os emprestasse por um tempo para que pudesse testar. Dessa maneira, foi possível visualizar adequadamente o comportamento da GFP nas células.

 

Outro percalço encontrado por Chalfie e sua equipe foi no momento da publicação do artigo com os resultados da pesquisa na revista científica Science. Os editores do periódico não queriam publicá-lo por causa do título e foi necessário fazer duas alterações antes que o artigo fosse publicado. Esse trabalho auxiliou para que o cientista fosse laureado com o Prêmio Nobel de Química em 2008, juntamente com Osamu Shimomura e o bioquímico Roger Yonchien Tsien.

 

A partir de então, a Proteína Verde Fluorescente vem sendo utilizada em diversas pesquisas e de formas variadas: nas pesquisas fundamentais, que buscam aperfeiçoar e descobrir outros métodos de isolamento da proteína; de maneira aplicada, onde se buscam utilizações práticas para a proteína; e até inexplicada, chegando-se a aplicações e resultados que inicialmente não eram imaginados.

 

O processo de formação de um cientista

 

Em sua exposição, Martin Chalfie abordou temas que vão além do projeto de pesquisa que o laureou com o Prêmio Nobel. O pesquisador expôs o processo que o fez chegar a ganhar a congratulação, e defendeu o estímulo à investigação de base, no lugar do investimento exclusivo na aplicação das pesquisas. “A pesquisa básica é essencial, não só sua aplicação. Muitas vezes acham que na Universidade já descobrimos tudo e que agora só precisamos aplicar, mas ainda temos muito a descobrir”, afirmou.

 

Chalfie elencou alguns mitos difundidos, principalmente na década de 1960, sobre o processo de tornar-se cientista. O primeiro deles diz que “todo cientista deve ser um gênio, e se você não é um gênio nunca poderá se tornar um cientista”. Para ele, essa afirmação é equivocada, uma vez que a pesquisa é um processo que se aprende a fazer, e não uma característica inata aos seres humanos. Mesmo que alguns tenham mais facilidade ou interesse pelo fazer científico, a ciência pode ser realizada por aqueles que se disponham a aprender a pesquisar. Nas palavras dele, “o que nos une é a paixão que nos motiva a estudar, e não as notas que tiramos”.

 

Uma segunda falácia seria a de que “se o experimento não funciona da primeira vez, ele nunca dará certo”. Segundo Chalfie, normalmente não são divulgados os processos pelos quais uma descoberta passa antes de se tornar um resultado de sucesso e que em geral são necessários vários testes fracassados antes que se chegue a um resultado satisfatório.

Foto: Isa Lima/UnB Agência

 

Como exemplo desse argumento, ele falou do caso de Osamu Shimomura, cientista que conseguiu isolar pela primeira vez a GFP em águas vivas e medusas. Após vários experimentos sem sucesso, Shimomura descobriu por acaso a proteína ao lançar alguns restos dos animais numa pia encharcada de água do mar, e então conseguiu concluir que era o cálcio que ativava a proteína. Mas para chegar até esse resultado exitoso, o cientista teve que tentar diversos métodos e falhou em inúmeros testes.

 

Nesse ponto, o laureado também diferenciou dois tipos de resultados para um experimento científico: a medição, quando se confirma o problema para o qual se procurava uma resposta; e a descoberta, quando se refuta a hipótese inicial.

 

Outro mito apontado por Chalfie é o de que “para tratar um determinado problema deve-se utilizar um método científico específico”. Para ele, existem várias rotas para se chegar a um determinado resultado, alguns mais e outros menos efetivos, mas a afirmação de que apenas um caminho é possível é uma visão limitada sobre o processo de descoberta científica.

 

Além disso, Chalfie salientou a importância de se estudarem diferentes formas de vida, e não somente aquelas mais conhecidas e tradicionalmente pesquisadas. Nesse sentido, disse que o Brasil tem a vantagem de ser um país com grande biodiversidade e que isso pode ser melhor explorado nas pesquisas realizadas aqui.

 

Segundo o biólogo, a afirmação de que “o cientista trabalha sozinho e não precisa de colaboradores” tampouco é verdadeira, e a construção coletiva tem se mostrado cada vez mais eficaz dentro dos laboratórios.

 

Prova disso é o processo pelo qual passou juntamente com diversos colaboradores para chegar à descoberta que lhe rendeu o Nobel de Química em 2008. Para Chalfie, o progresso científico é cumulativo e para que ocorra de maneira satisfatória é necessário haver diálogo entre os pesquisadores nos laboratórios.

 

Outro mito levantado por Chalfie foi o de que “cientistas devem ser homens e brancos”. Para ele, essa visão discriminatória parece ter sido difundida por muito tempo e cada vez tem sido mais refutada com o reconhecimento e o acesso cada vez mais democrático ao ensino superior.

 

A conferência de Martin Chlafie atraiu estudantes, professores e pesquisadores de diversas áreas da Universidade. Para o Decano de Pesquisa e Pós-Graduação da UnB, Jaime Santana, a presença do Nobel “coloca a universidade numa posição de difundir a ciência com alta propriedade”. Para ele, o evento é um marco para a nossa comunidade acadêmica, uma vez que o laureado é um grande estimulador da educação e da interdisciplinaridade.

 

O presidente da AstraZeneca Brasil, Eduardo Recoder, explica que a vinda de Chalfie ao Brasil está relacionada à expansão tecnológica do país. “Como está na capital do país e é uma instituição de relevância, escolhemos a UnB, porque acreditamos que essa atividade pode beneficiar estudantes e pesquisadores”, afirmou.

 

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