CIDADANIA

Elaborado a partir de trabalho de conclusão do curso de Enfermagem, produto inédito busca envolver a população idosa na discussão sobre esse e outros tipos de violência

Exemplares do jogo estão sendo utilizados como ferramenta educativa em centros de convivência e instituições para pessoas idosas. Foto: Luis Gustavo Prado/Secom UnB

 

“O ageísmo é uma violência contra a pessoa idosa por causa da idade dela. É uma das mais prevalentes no cotidiano de pessoas dessa faixa etária e atinge toda a sociedade.” A explicação da professora Leides Moura, da Faculdade de Ciências da Saúde (FS) da Universidade de Brasília, retrata uma forma de preconceito recorrente, mas ainda pouco reconhecida, visibilizada e debatida.

 

Fomentar as discussões sobre o assunto de forma inovadora e impulsionar o enfrentamento desse e de outros tipos de violências contra a pessoa idosa é a proposta do jogo de tabuleiro Longevidade e Dignidade, desenvolvido sob orientação da docente. Trata-se de um jogo colaborativo que visa fornecer uma experiência lúdica, interativa e educativa aos participantes ao abordar a temática. Por isso, é classificado na categoria dos serious games – jogos sérios.

 

O produto, considerado inédito pela abordagem, foi concebido a partir do trabalho de conclusão de curso Longevidade e Dignidade: um "serious game" para abordar ageísmo e violência contra a pessoa idosa. Defendida em junho de 2019, a monografia é de autoria da estudante de Enfermagem Thais Souza Santana. Para elaboração do jogo, também foram considerados resultados de pesquisas anteriores conduzidas pela professora Leides Moura. 

 

Buscar alternativas para tratar do assunto com maior efeito entre os idosos é uma das perspectivas da ferramenta. “Tínhamos a necessidade de trazer algo mais palpável, que tivesse mais aderência dos idosos. Quando os envolvemos nessas discussões, eles conseguem entender mais sobre a questão e se abrir, porque têm espaço para isso”, explica Thais Souza. A primeira tiragem foi lançada em novembro com oito exemplares, mas há expectativa de que o número seja ampliado em uma próxima edição.

 

Apesar de ser direcionado ao público a partir dos 60 anos, o jogo também estimula a trocas intergeracionais, podendo ser utilizado por pessoas de outras idades. Leides Moura acredita que esse exemplo prático de tecnologia social traz uma solução criativa para problemas e ultrapassa a perspectiva da pesquisa ao promover envolvimento e reflexão de idosos, além de solidariedade e incentivo a boas práticas. 

 

“Por ter uma linguagem lúdica, o jogo permite conversar coisas sérias e importantes de maneira que não constranja ou coíba as pessoas. Ele coloca todo mundo no mesmo nível de participação e permite a interação entre os participantes para se ouvirem sobre as situações semelhantes que passam e a necessidade de encontrar soluções”, avalia a docente.

 

CIDADANIA EM AÇÃO – Quase 22 milhões de pessoas no Brasil – 10,5% da população nacional – são idosas, segundo estimativa de 2018 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Considerados os seis anos anteriores, o grupo etário daqueles com idade igual ou superior a 65 anos cresceu em 26% no país. Nos próximos 40 anos, a expectativa é que essa porcentagem aumente ainda mais: as projeções apontam que, em 2060, um em cada quatro brasileiros serão idosos.

 

Os dados sinalizam a tendência de envelhecimento da população do país, questão muitas vezes interpretada de forma negativa nos noticiários e análises econômicas. Para Leides Moura, a senescência é, em geral, vista com preconceito e pela ótica dos desafios, sendo desconsideradas as vantagens e oportunidades, além da capacidade e diversidade das pessoas que se encontram nesse grupo etário.

 

Na percepção da docente, essas perspectivas contribuem para a manutenção do ageísmo, comportamento societário que, segundo ela, é aprendido muito cedo. “Temos estudos que mostram que a criança aprende a ser ageísta a partir dos quatro anos de idade, ao não valorizar a pessoa idosa, achar que a pessoa idosa é incapaz, incompetente, coitadinha e não ver sua capacidade e a potencialidade.”

 

Por isso, a proposta de Longevidade e Dignidade é também pautar o debate sobre o envelhecimento de forma positiva. É possível jogar individualmente, com até oito participantes, ou em equipes. Para auxiliar na condução das dinâmicas, há também a figura do facilitador, responsável por ler as cartas do jogo e dar suporte nas reflexões. Durante a rodada, cada participante lança o dado e anda o número de casas indicado. Cada casa tem uma cor que designa ilhas para promoção de diálogo entre os participantes.

 

As ilhas verdes são as de cidadania. Ao cair nelas, é preciso retirar uma carta da mesma cor, na qual constam orientações para encorajar boas práticas para o envelhecimento saudável. Nas ilhas amarelas, são abertas discussões sobre ageísmo. Os jogadores são incentivados a identificar situações comuns de ocorrência desse tipo de discriminação descritas nas cartas amarelas. Já as ilhas vermelhas são as de risco, destinadas ao reconhecimento de outras formas de violência e condições de vulnerabilidade, como o isolamento social. 

A estudante Thais de Souza e a docente Leides Moura são as responsáveis pela ideia do produto. Foto: Luis Gustavo Prado/Secom UnB

 

Tanto nas ilhas vermelhas como nas amarelas, há a possibilidade de retirada de cartas coringa, com perguntas abertas sobre violências ainda não descritas na literatura, mas já vivenciadas ou presenciadas pelos participantes. “As cartas coringas deixam as situações abertas. É um dos melhores momentos, porque os jogadores têm a oportunidade de falar sobre outras temáticas que os afetam”, alega a estudante Thais de Souza.

 

Representadas pela cor branca, as ilhas de solidariedade fomentam a cooperação e a cidadania participativa. Ao passar por esses pontos, o jogador recebe um token e, com o acúmulo de dois, ele deverá resgatar o último colocado no tabuleiro para sua mesma posição. É uma ferramenta, que segundo Leides Barbosa, reforça a ideia de que ninguém está sozinho na violência que sofre e nas tentativas de superá-las.

 

A professora ressalta que as dinâmicas propostas não só permitem aos jogadores detectar e compartilhar casos de violências experimentados, como envolvem os facilitadores nessa troca. “O jogo também muda o facilitador porque produz nele uma consciência da necessidade de informação, de conhecer melhor a comunidade e de saber mais sobre os serviços para essa população.”

 

DISTRIBUIÇÃO – Longevidade e Dignidade já está em uso em alguns centros de convivência e instituições de cuidado com a pessoa idosa de pontos da periferia do Distrito Federal, como Paranoá e Itapoã. Para o próximo ano, há previsão de replicar a experiência em outras regiões administrativas.

 

Além do versão em tabuleiro, será lançado um aplicativo do jogo, que incluirá informações sobre serviços e experiências para atendimento e acolhimento da pessoa idosa. A plataforma ainda está em elaboração pelo grupo de pesquisa Isolamento Social da Pessoa Idosa no Distrito Federal, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacional (PPGDSCI) da UnB.

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