Três pesquisadores da UnB apresentaram no mês passado estudo inédito sobre a desigualdade no Brasil. O professor de Sociologia à frente do projeto, Marcelo Medeiros, explica que o trabalho utiliza dados da Receita Federal para analisar a distribuição de renda “a partir do topo da pirâmide”.
Realizado em parceria com o sociólogo Pedro Souza e o tributarista Fábio Castro, a pesquisa acaba de entrar na lista dos dez artigos mais baixados da Social Science Research Network. Segundo Medeiros, o interesse por esse tipo de análise tem aumentado no mundo inteiro.
Entre as principais conclusões do estudo está a suspeita de que o fosso entre ricos e pobres não diminuiu no Brasil nos últimos anos ao contrário do que diz o IBGE. “Tudo indica que não houve distribuição de renda, diferente do apontado pela Pnad [Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios]”, diz o professor. “Aumento do poder de compra dos mais pobres não significa diminuição da desigualdade”, observa.
Segundo ele, os dados do Imposto de Renda também apontam uma concentração de renda maior que a medida pela Pnad entre a parcela mais rica da população. “O coeficiente de Gini - índice que mede a desigualdade - é 11% maior quando calculado pelo IR”, diz.
O pesquisador traz outros números para mostrar o tamanho da desigualdade “subestimada”. “O 1% mais abonado dos brasileiros detém um quarto da renda e abocanhou 28% do crescimento entre 2006 e 2012”, destaca. "Enquanto a metade mais pobre ficou com apenas 11% do crescimento, a metade mais rica ficou com 89%", compara.
Há dez anos estudando o tema e autor de livro que traça o perfil dos mais ricos para explicar o fenômeno da concentração de renda no país, Medeiros explica que a pesquisa inova no método. “O tratamento dos dados do IR utiliza parte da metodologia desenvolvida pelo economista francês Thomas Piketty em 2001”, diz. “Os estudos dele mostram a relação entre o comportamento dos mais ricos e a desigualdade.”
O professor explica que, no método novo, a tradicional análise por meio de dados da Pnad é combinada com a renda declarada por cerca de 25 milhões de brasileiros. "A Pnad consegue extrair o perfil da maior parte da população, mas não analisa em detalhe o grupo dos 10% mais ricos, aqueles que ficam com mais da metade da renda", diz. "E não há como ignorar o impacto deles no restante da economia."
De acordo com o estudo, quem ganha a partir de R$ 3,2 mil reais por mês - ou R$ 38 mil por ano - faz parte do grupo dos 10% mais ricos. Milionários mesmo, aqueles que faturam R$ 1 milhão ou mais por ano, são pouquíssimos, cerca de 140 mil pessoas ou 0,1% dos adultos. "À medida que se chega ao topo, a concentração aumenta", diz Medeiros.
Ele alerta, contudo, que nenhum método é perfeito. "O estudo é uma primeira estimativa. A ideia é aperfeiçoarmos o trabalho. A pesquisa não leva em conta, por exemplo, os sonegadores.”
PARCERIA - O trabalho O topo da distribuição de renda no Brasil: primeiras estimativas com dados tributários e comparação com pesquisas domiciliares (2006-2012) resulta de um feliz encontro de pesquisadores da Sociologia e da Economia.
Fábio Castro é auditor da Receita e fez o mestrado profissionalizante em Economia do Setor Público na UnB. Pedro Souza foi aluno do professor Marcelo Medeiros no doutorado e está em Berkeley trabalhando com Emmanuel Saez, um dos principais coautores de Piketty.
"Esse tipo de cooperação entre professores e alunos de diferentes departamentos é muito importante", avalia Medeiros que participou da banca de defesa de Fábio em julho deste ano.
"Ao ver a primeira tabela que ele trouxe, notei que ali havia várias respostas para o estudo que eu e Pedro estávamos desenvolvendo sobre a desigualdade no Brasil", lembra.
Confira o relato de um dos autores do projeto.