DE OUTRA PERSPECTIVA

A formação da capital do país envolve muitas críticas e o trabalho da docente Maria Fernanda Derntl faz uma análise sobre a formação desse território

Foram encontrados desenhos que indicavam as Unidades Socioeconômicas Rurais Sobradinho-Paranoá. Foto: Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, Fundo Conselho Coordenador do Abastecimento, Projetos e Obras

 

A construção de Brasília gera inúmeros debates desde o seu início e até mesmo antes de sair do papel, mas a suposta ausência de planos que integrassem os territórios vizinhos ao Plano Piloto, a cidade planejada dentro do Distrito Federal, ainda levanta críticas à capital. No artigo Brasília e suas unidade rurais: planos e projetos para o território do Distrito Federal entre fins da década de 1950 e o início da década de 1960, da professora Maria Fernanda Derntl, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), é feito uma análise sobre aspectos do planejamento urbano e rural da capital do país.

 

“Essa específica publicação, é fruto de uma pesquisa que vem sendo amadurecida há alguns anos, mas também como estímulo ao grupo de pesquisa que coordeno, Capital e Periferia, do qual participam alunos de graduação e pós-graduação da FAU e do Programa de Pós-Graduação em História (PPGHIS), além de docentes de outras universidades”, completou Maria Fernanda.

 

O trabalho de Maria Fernanda Derntl foi premiado pela Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (Anpur), com o X Prêmio Milton Santos de Artigo. A confirmação aconteceu no dia 4 de maio, após escolha de um júri nacional e internacional. Para a docente o prêmio contribui para evidenciar o potencial de pesquisa realizada no campo da História da Arquitetura e Urbanismo na FAU/UnB.

 

Maria Fernanda Derntl destaca que o prêmio contribui, também, para evidenciar o potencial da pesquisa realizado no campo da história da arquitetura e urbanismo da FAU/UnB Foto: Arquivo pessoal

 

O artigo, que se baseia em uma documentação inédita sobre o planejamento da organização territorial do DF no fim dos anos 1950 e início dos anos 1960, analisa planos e projetos elaborados para a organização do território da capital. Essa documentação foi localizada no fundo arquivístico do Conselho Coordenador do Abastecimento, relativa à criação das Unidades Socioeconômicas Rurais (USERs).

 

“Essas comunidades visavam a garantir o abastecimento de alimentos para a capital, criar um sistema modelar de produção hortifrutigranjeira e fixar, no campo, parte da população que havia migrado para Brasília desde o início das obras”, pontuou Maria Fernanda.

 

As comunidades teriam edifícios de caráter administrativo e a apoio ao produtor, tais como usina de laticínios e armazéns, serviços para a comunidade, como escola, hospital rural, igreja, banco, clube, restaurante, auditório e biblioteca, serviços de apoio para hospedagem de visitantes e um núcleo residencial para funcionários e técnicos. Maria Fernanda destaca que a ideia era criar um sistema de abastecimento modelar como chave para implantar o que pretendia ser um novo tipo de civilização no Planalto.

 

De acordo com Maria Fernanda, a partir dos dados colhidos foi possível refutar, em parte, a noção recorrente na historiografia, de que não teria acontecido um planejamento urbano e regional de Brasília. “Ainda que esses projetos não tenham sido implementados por completo, contribuíram para moldar uma ocupação do território, que veio a ser, porém muito marcada pela fragmentação, dispersão e também por uma conflituosa convivência entre o rural e o urbano”, destacou.

 

Planta e planta de cobertura do auditório e da biblioteca da USER, 1959. Foto: Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, Fundo Conselho Coordenador do Abastecimento, AN 181-200.

 

CONCEPÇÃO E REALIDADE - Segundo Maria Fernanda, a concepção inicial baseava-se em paradigmas de planejamento urbano e regional em voga nos anos 1950, apoiado na existência de um núcleo central, o Plano Piloto, com traçado ordenado e dimensões limitadas, separado por um grande cinturão verde de cidades-satélites, também com traçado ordenado e dimensões limitadas.

 

“Esse modelo de descentralização metropolitana é considerado ultrapassado em razão do alto custo para dispor a infraestrutura e das disparidades sociais que implicou. Mostrou-se insustentável e foi sobrepujado por dinâmicas de urbanização semelhantes a de outras cidades brasileiras”, disse.

 

Os planos e projetos tratados no artigo destacam a distribuição de atividades no território e articulação de um sistema de abastecimento de Brasília tendo como base a criação de comunidades rurais, o que não foi implementado dada a distribuição e ocupação do território do DF.

 

“Em lugar das atividades produtivas antes previstas foram se estabelecendo empreendimentos especulativos, chácaras de lazer, e a partir de fins dos anos 1970, grandes condomínios residenciais”, pontuou.

 

Maria Fernanda Derntl ainda destaca que embora a marcante desigualdade na ocupação do território de Brasília seja uma tônica da bibliografia, o modo como ela se estabeleceu ainda está por ser mais estudado. A docente ainda frisa que as cidades-satélites muitas vezes são consideradas um subproduto da criação da capital e não parte intrínseca da sua concepção.

 

A docente apontou que é necessário rever continuamente os padrões de planejamento impostos no período inicial de construção de Brasília em face às dinâmicas reais de urbanização do território e a novas necessidades, considerando agora o fenômeno da metropolização que já transborda os limites do DF.

 

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