Ronco de motores, roupa de couro, homens barbudos, mulheres destemidas, adaptações nas engrenagens e na estética de motos, triciclos e outros veículos que fazem parte do motoclubismo. Esse é o cenário de eventos de motociclistas. O maior da América Latina (e terceiro maior do mundo) acontece na capital do Brasil até domingo, dia 31, no Parque de Exposições da Granja do Torto. Trata-se do Brasília Capital Moto Week. Em sua 12a edição, o evento este ano passa a ter dez dias de duração, motivo pelo qual mudou o nome já bem conhecido pelo público, Motocapital. A grandeza do encontro chamou a atenção do estudante da Universidade de Brasília Sergio Moreira Oller, que dedicou o mestrado a analisar as especificidades do mototurismo.
Orientado pela professora Neuza de Farias Araújo, Oller desenvolveu a dissertação Moto-turismo no Brasil: O Caso do Evento Motocapital de Brasília, no Centro de Excelência em Turismo (CET/UnB). Defendida no primeiro semestre deste ano, a pesquisa foca no turismo como fenômeno social.
Hispano-brasileiro, o mestre conheceu a emoção proporcionada pelas duas rodas ainda na adolescência, na Espanha. O pai o introduziu na pilotagem e nos eventos dos amantes de motos. No Brasil, Oller passou a frequentar o evento Motocapital, que ocorre em Brasília desde 2004.
Uma das dificuldades de Oller foi encontrar bibliografia acerca do tema. “Há muito pouca coisa escrita. Existem muitos livros de relatos de viagem em motos, sobre a experiência pessoal do autor, mas pouco sobre o mototurismo”, comenta.
Por essa razão, a dissertação se deu por meio de pesquisa de cunho qualitativo. A escolha metodológica ocorreu por ser considerada, de acordo com a professora Neuza de Farias, a adequada para “expressar o sentido dos fenômenos sociais e a compreensão dos significados das ações humanas”.
Em 2015, o evento reuniu 502 mil pessoas e 170 mil motocicletas em cinco dias, segundo os organizadores. A expectativa para este ano é que o público seja de 600 a 800 mil pessoas e algo em torno de 230 mil motos. “É uma nova forma de turismo no Brasil que está em curso. Desde os anos de 1990, o mototurismo vem crescendo no país, e isso tem muito a ver com as melhorias das estradas”, diz Marco Portinho, organizador do Brasília Capital Moto Week. “Segundo informações da Secretaria de Turismo do Distrito Federal, ano passado o evento gerou R$ 44 milhões para a cidade, em gastos com hotelaria, bares e restaurantes”, continua.
“Brasília tem muito potencial para o mototurismo. A cidade é plana e o clima (com pouca chuva) é ótimo para moto”, analisa Oller. A localização da capital também aparece como ponto favorável, visto que é que central para os outros estados do país.
MOTOTURISTA – “Queria entender por que uma pessoa decide cruzar o país de moto, passando frio e enfrentando chuva, em vez de viajar de avião, por exemplo”, conta Oller. Para tanto, entrevistou 45 motociclistas durante o Motocapital de 2015. Foram 32 homens e 13 mulheres, não residentes em Brasília. A partir da análise dos dados, foi possível desenvolver um perfil para o mototurista brasileiro: são pessoas de classe média, com faixa etária bastante distinta e procedentes, em grande parte, das regiões sudeste, sul e nordeste do país.
“Quando você faz uma viagem de carro, vê a paisagem. Quando viaja de moto, contudo, você faz parte da paisagem. A viagem não é das mais confortáveis, mas é um prazer indescritível”, afirma Portinho, há 47 anos pilotando motos.
“O mototurista é uma pessoa aventureira, que gosta da sensação de liberdade, do gosto de se integrar à estrada”, elabora Oller. Além disso, segundo o estudante, são pessoas que gostam de se distrair e de se reunir com outros que tenham interesses semelhantes. “Costumam se reunir em motoclubes, o que é uma das características do tribalismo. Distinguem-se pelas roupas e, até, pelos tipos de moto”, detalha. “Para eles, é muito importante fazer parte de um grupo, faz parte da identidade deles”, prossegue. “A moto não é só uma forma econômica de transporte. É uma questão de liberdade”, completa Neusa de Farias.
ESTUDOS DE GÊNERO – “A pesquisa traz uma inovação para os estudos de gênero”, afirma a orientadora. Segundo ela, o estudo demonstra que mais mulheres vêm se habilitando a pilotar motocicletas, além de configurarem importante parcela da população no universo no motociclismo. “As mulheres têm participação ativa: são esposas, companheiras dos motociclistas, garupas e, muitas, são pilotos”, comenta.
Segundo a orientadora, a criação de um espaço voltado para a mulher dentro do evento, chamado de Lady Bikers, destaca a relevância feminina para o motociclismo. “Uma conclusão importante da dissertação é que não há preconceito de gênero neste universo”, encerra.