“O trabalho nos torna seres sociais”. Citando Marx, a assistente social Adelina Moreira, responsável pela Coordenadoria de Atenção à Saúde e Qualidade de Vida (CASQV/DGP), deu início à palestra Riscos Psicossociais e Saúde Mental no Trabalho, ocorrida na tarde de quarta-feira (15) no auditório da Reitoria, no Campus Darcy Ribeiro.
O evento, organizado em parceria da CASQV com a Coordenadoria de Capacitação (Procap), surpreendeu pela demanda. Voltado para servidores da Universidade e para a unidade da UnB do Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor Público Federal (Siass-UnB), o encontro lotou o auditório.
“A gente tem conhecimento, pelos exames periódicos realizados há dois anos, de que temos uma grande número de adoecimento e de doenças mentais entre os servidores. Então, agora, vamos refazer os exames. Apesar de ser facultativo, é importante que todos façam, pois é uma base de dados de saúde importante para atuarmos preventivamente. Temos relatos de assédio moral na instituição, por exemplo”, comentou a decana de Gestão de Pessoas, Cláudia Araújo.
Além de apresentar os programas realizados pela CASQV, Adelina Moreira destacou problemas atuais relacionados à saúde ocupacional. Entre eles, a precarização do trabalho; a exigência de um trabalhador polivalente; a informalização; a flexibilização das leis trabalhistas e a terceirização. “O que temos hoje é uma classe trabalhadora adoecida, seja no setor público, seja no privado”, afirmou.
Os servidores polivalentes, de acordo com Adelina, sofrem com a sobrecarga e com aumento de responsabilidades. “Estima-se que, em 2020, a depressão seja a primeira causa de afastamento do trabalho”, disse.
Os sintomas da depressão no trabalho são perda de energia ou de interesse; isolamento; irritabilidade; humor deprimido; dificuldade de concentração; alteração de apetite ou do sono; sentimento de pesar ou de fracasso e abuso de substâncias. Adelina destacou que a origem dos problemas pode estar nas lideranças; nas demandas excessivas de trabalho; no ambiente físico de trabalho inadequado e no ambiente organizacional.
Além disso, podem se originar na falta de comunicação, de prevenção ao assédio moral, de códigos claros de conduta, de canais de escuta e de investimento em bom relacionamento grupal.
PSICODINÂMICA – Em seguida, a psicóloga Laene Pedro Gama proferiu a palestra A dinâmica trabalho/trabalhar e o adoecimento. Logo de início, definiu trabalho como o “encontro com o real, do prescrito com o efetivo”. “Trabalho é sofrimento. É dinâmico. Muda a toda hora. A ilusão de que as coisas seguirão o planejado não é realidade”, reforçou.
A partir da experiência de fracasso, resultado do confronto com a realidade, o trabalhador pode passar pelo que se chama de mobilização subjetiva, que envolve colocar os recursos em ação. Nesse caso, o impacto é positivo sobre a pessoa. Por outro lado, o sofrimento pode ser aprofundado, ocasionando, até mesmo, uma patologia relacionada ao trabalho.
Segundo a psicóloga, a construção do sentido do trabalho se dá pelo reconhecimento, que pode ser tanto pelos superiores, quanto pelos colegas.
COMPETIÇÃO – A auditora fiscal do trabalho Luciana Veloso Baruki fez a terceira e última apresentação da tarde. Doutora em direito político e econômico, proferiu a palestra Riscos Psicossociais e Saúde Mental no Trabalho. Baruki utilizou os ensinamentos do psicanalista Christophe Dejours como base da explanação. Segundo ela, os riscos psicossociais podem resultar em adoecimento e em suicídio.
Na obra A Loucura do Trabalho: Estudo de Psicopatologia do Trabalho, Dejours identificou que, nas últimas décadas, houve aumento das patologias relacionadas à atividade laboral: patologias de sobrecarga (Burnout, Karoshi e multiesqueléticas); estresse pós-traumático; patologias do assédio (moral, organizacional, sexual); depressões, tentativas de suicídio e suicídio.
Podem existir diversas formas de assédio, entre elas a de assédio institucional. Para exemplificar, Baruki cita caso pessoal, em que se viu pressionada, durante a pós-graduação, a não tirar licença maternidade, diante da possibilidade de perder a bolsa de estudos. "Se eu fosse um homem, não teria este problema. Quando ocorre uma distorção, quando você não pode ser o que é, está caracterizado assédio institucional.”
Nas duas últimas décadas, a adoção da Gestão pela Qualidade Total teve impacto negativo na vida do trabalhador. Além disso, a palestrante destacou que a avaliação individual de desempenho é uma prática injusta, que estimula a competição entre os funcionários e que seria uma das razões de epidemia de assédio moral no trabalho. "A gestão por meritocracia também é uma causa", continua. "Há, ademais, tolerância do Estado para os riscos psicossociais. Não há normas sobre isso. Não há projetos de leis sobre o tema. No judiciário idem, quase não aparece."
Até mesmo para a decana de Gestão de Pessoas o encontro foi oportunidade de aprendizado. ”Adorei a palestra. Às vezes o gestor não está preparado. Então é importante que a gente faça essa preparação, que ele venha às palestras, que participe e entenda que, às vezes, o que acha que não é assédio tem repercussão em como o servidor se sente. Então é importante que o trabalhador fale, conheça, e que saiba que existe um setor dentro da diretoria de saúde que ele pode procurar, onde há espaço para falar. Até para que o adoecimento não chegue em um ponto em que não deveria”, disse Cláudia Araújo.
PROCAP – O evento da tarde de quarta-feira inicia os ciclos de palestras que serão oferecidos neste ano pela Procap em parceria com várias diretorias, seguindo o Plano Anual de Capacitação. Serão quatro: Qualidade de Vida e Diversidade, em parceria com a DSQVT; Saúde e Segurança; um voltado para os docentes e um voltado para os gestores.
A coordenadora da Procap, Daiane Almeida, explica que a proposta dos ciclos é melhorar a qualidade de vida no trabalho. "Os ciclos serão formados por séries de palestras. Cada ciclo completará 20 horas, de forma que será fornecido certificado de capacitação, que poderá ser usado para progressão funcional", explica.