HOMENAGEM

Para reitor José Geraldo de Sousa Junior, advogado e jurista é “reserva ética e utópica” da Universidade

 

“Esta é uma universidade de resistência – é a fênix que a cada momento ressurge e consegue fazer frente a toda coação”, disse, na tarde dessa quarta-feira, 8, o advogado, jurista e célebre defensor da liberdade Roberto Armando Ramos de Aguiar, durante a amorosa cerimônia em que – recepcionado por família, amigos e admiradores – recebeu o título de Professor Emérito da Universidade de Brasília. A cerimônia foi realizada no auditório do Memorial Darcy Ribeiro, durante uma tarde delicadamente luminosa e chuvosa.

Roberto Aguiar recebeu o título de Professor Emérito da UnB. Foto: Mariana Costa/Secom UnB

 

De fala doce e mansa, o homenageado, despido de qualquer formalidade – “a situação é solene, mas aqui não consigo” –, lembrou o passado de lutas que integram também a história da UnB. “Não faço drama, mas sofri todas as consequências que uma pessoa possa sofrer”, disse, lacônico, em referência às torturas a que foi submetido durante a ditadura militar – da qual a UnB também foi notório alvo. “É preciso lembrar que a nossa Universidade é a mais atacada, a mais sofrida das universidades brasileiras – e daí a honra de eu ser um professor emérito desta instituição, porque eu vejo a história; vejo toda a luta para manter a unidade dessa universidade”, disse, com visível emoção, acrescentando que “as ameaças continuam”.

Para Aguiar, a UnB – que já enfrentou a ditadura militar e denúncias de corrupção – vive hoje a ameaça da privatização: “Querem transformá-la em uma universidade particular que presta serviços não para a sociedade, mas para os detentores do capital”, concluiu, lembrando que “a universidade são as pessoas”.

Ainda hoje – tantos anos após ver a vocação infantil para violino ser enterrada pela tortura intencional a seu braço esquerdo –, Aguiar luta contra os ecos do regime militar como presidente da Comissão Memória e Verdade Anísio Teixeira, instaurada pela UnB em agosto para esclarecer episódios de violações de direitos humanos ocorridos na instituição durante a ditadura e para auxiliar a Comissão Nacional da Verdade, instituída em maio pela presidente Dilma Rousseff.

“Mas o que significa receber um título de Professor Emérito?”, indagou Aguiar. Para ele, as honrarias são uma forma de trazer de volta o passado da Universidade – que frequentemente a própria instituição se esquece. “Pessoal, esta Universidade que conhecemos começou com duas pessoas: Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira – um sonhador utópico, corajoso, sensível, que queria fazer uma universidade diferente, e um educador que deu a sua vida pelas crianças deste país, por meio da modificação da estrutura do ensino. Estas duas pessoas fundaram esta Universidade livre, democrática, criativa”.

"MOSQUETEIRO" A história de Aguiar está de fato entremeada à da Universidade de Brasília. Um dos exemplos mais contundentes desta relação estreita ocorreu há quatro anos, quando o jurista atuou – de 13 de abril a 20 de novembro de 2008, após a renúncia do então reitor Timothy Mulholland –, como reitor pro-tempore da UnB. Na ocasião, Aguiar conduziu o processo de eleição paritária para definir quem seria o novo reitor pelos próximos quatro anos, até a escolha do atual dirigente, José Geraldo de Sousa Junior, e restabeleceu a paz na instituição.

Diploma de emérito foi entregue pelo reitor José Geraldo de Sousa Junior. Foto: Mariana Costa/Secom UnB

 

“Esta Universidade deve muito ao professor Roberto Aguiar”, disse, em seu discurso, o professor aposentado da Faculdade de Direito da UnB Marcelo Lavenère Machado, orador da cerimônia. “Em um momento difícil, de águas turbulentas, Roberto Aguiar foi convocado – por sua coragem, competência e liderança – a pilotar uma nau que havia perdido o rumo e o timoneiro”, explicou. “Aguiar assumiu o comando e em pouco tempo devolveu a nau à comunidade, já corrigido o desvio de rota, entregando-a ao novo timoneiro, nosso atual reitor.”

Professor Lavenère Machado lembrou que o amigo Aguiar se distinguiu no ensino jurídico e nas atividades acadêmico-administrativas, reiterando que “lutou durante toda a vida por seus ideais”. “Desde jovem, enfrentou a ditadura militar – e até hoje, meio século depois, se for preciso, veremos o professor fazendo piquete na Esplanada, ou abanando um cartaz em que estejam escritas algumas frases em defesa de suas teses”. Para o orador, as teses de Aguiar jamais são tradicionais ou conservadoras, posto que “é da índole deste professor – que tem aspecto de mosqueteiro, de um D’Artagnan paulista – defender as suas ideias polêmicas, irreverentes, rebeldes”, condizentes com o espírito livre de um contestador nato, “permanentemente inconformado com a mesmice, a pusilanimidade e o senso comum”.

Lavenère Machado encerrou sua homenagem com humor. “Quando escreveu esta frase, sem dúvida [o dramaturgo alemão] Bertold Brecht estava pensando no advogado Roberto Aguiar: ‘Há homens que lutam um dia e são bons; há outros que lutam um ano, e são melhores; há os que lutam muitos anos, e são muito bons; mas há os que lutam toda a vida, e estes são imprescindíveis’ – como é imprescindível o nosso homenageado”, disse.

A CERIMÔNIA Na cerimônia que fez dele um professor emérito – a honraria é concedida a docentes aposentados da UnB que alcançaram posição eminente nas atividades universitárias –, Aguiar foi recepcionado também por uma comissão de honra feita de nomes igualmente eminentes. “Quero saudar o meu séquito!”, brincou o celebrado jurista, explicando que escolheu os membros da comissão não por formalidade ou academicismo, “porque gosto delas, porque elas fazem de mim o que sou”.

Integraram a comissão o fotógrafo, arquiteto e professor emérito da Faculdade de Comunicação da UnB Luiz Humberto Martins Pereira (“que me ensinou minha percepção óptica”); o arquiteto e professor emérito da Faculdade de Arquitetura José Carlos Córdova Coutinho (“que me ensinou os meandros da Universidade”); o ex-reitor da UnB Antônio Ibañez Ruiz (“que me aceitou aqui”); o vice-diretor do Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS) da UnB, Othon Henry Leonardos; o professor da Faculdade de Direito Alexandre Bernardino Costa; e a amiga Conceição Zetta Lopes.

Comitiva de honra de Roberto Aguiar contou com professores ilustres. Foto: Mariana Costa/Secom UnB

 

Integraram a mesa, além de Aguiar e o reitor José Geraldo, o diretor e vice-diretor da Faculdade de Direito, George Galindo e Antônio Borges, respectivamente.

Aguiar – grande amante da música de Brahms – foi presentado também por um bonito recital das professoras do Departamento de Música Irene Bentley e Vânia Marise.

BIOGRAFIA Roberto Armando Ramos de Aguiar nasceu no dia 9 de novembro de 1940 em São Vicente (SP). É doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1975). Jurista, já foi secretário de Segurança Pública do Distrito Federal e do Rio de Janeiro. Participou da criação da Universidade Estadual do Pará e da Universidade Metodista de Piracicaba. Publicou mais de 40 obras, entre livros e artigos sobre Segurança e Direito.

Na UnB, foi procurador-geral na gestão do reitor Antônio Ibãnez. Nessa mesma época, tornou-se professor do Instituto de Ciência Política e Relações Internacionais. Depois disso, foi transferido para a Faculdade de Direito como professor titular de Filosofia do Direito. Na graduação, ministrou aulas de Filosofia do Direito, Introdução ao Estudo do Direito e Modelos e Paradigmas da Experiência Jurídica. Na pós-graduação, ministrou aulas de Filosofia do Direito e Direito do Meio Ambiente (do Centro de Desenvolvimento Sustentável da UnB).

Em 1996, foi consultor jurídico do governo Cristovam Buarque nos primeiros seis meses de gestão, assumindo logo depois a Secretaria de Segurança Pública, onde ficou até o fim de 1999. É coautor do Plano Nacional de Segurança Pública do candidato Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República. Atuou como professor titular da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Pará. Também contribuiu com a primeira experiência brasileira de universidade popular naquele estado.

RESERVA Visivelmente gratificado pela oportunidade de prestar honras ao amigo, o reitor José Geraldo de Sousa Junior lembrou que suas ligações com Roberto Aguiar se iniciaram “há mais de 30 anos, quando fiz resenha de uma obra sua e, por precaução, a encaminhei ao autor”. “Desde então se estabeleceu uma relação que nunca foi interrompida!”, celebrou o reitor, para quem Aguiar e sua lealdade integram as “reservas éticas e utópicas que nunca se perderam nesta instituição”, tão importantes nesta conjuntura cinquentenária, em que a Universidade reitera os ideais de sua fundação.

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