HOMENAGEM

Cineasta com 23 anos de UnB e igual número de filmes no currículo teve o título outorgado em cerimônia emocionada e acompanhada por amigos e professores renomados

Foto: LF Barcelos/UnB Agência

 

De terno branco e semblante iluminado, o autor de obras clássicas da cinematografia nacional recebeu o título de professor emérito da Universidade de Brasília. “Eu vim de branco, como um noivo para as núpcias, para mostrar como me comove essa liturgia, esse rito, esse título”, afirmou o cineasta Vladimir Carvalho ao receber a homenagem do reitor José Geraldo de Sousa Junior, na manhã desta quarta-feira, 2 de maio, no auditório da Reitoria.

 

De pé na tribuna do auditório, Vladimir Carvalho revelou a beleza e o impacto do título em uma carreira marcada por 23 filmes e histórias memoráveis. “Ali naquela antessala encontrei o personagem que há muito me freqüenta nessas horas, um personagem chamado frio na barriga, com quem me confrontei pelo significado, a história, a utopia, a magnificência desta Casa. Então apelei para El Cid com sua célebre frase: ‘treme perna, mas eu te levarei lá´”, contou o cineasta, antes de iniciar seu discurso para a plateia de amigos e professores pioneiros e eméritos, que lotaram a solenidade. El Cid foi um cavaleiro do século XI. Diz a lenda que, depois de morto, foi colocado em cima de um cavalo para enfrentar os mouros que, assustados com a liderança do nobre espanhol, bateram em retirada.

 

Em mais de vinte minutos de discurso preparado durante 15 dias, o documentarista reviveu os momentos mais marcantes de sua história, que se entrelaça com a da UnB: a chegada à Universidade a convite de Fernando Duarte, em 1969; o desafio de ensinar cinema durante o regime militar; o fechamento do curso por força da repressão; os enfrentamentos entre policiais e estudantes dentro do campus; as cartas ofensivas encontradas em seu escaninho, como a de “um professor ex-padre e fã de Mussolini”; a redemocratização. “O tempo passou num piscar de olhos, como nos filmes de cinema e aqui estamos nós neste continuado esforço de refundação da UnB”, afirmou. “Eu me rejubilo e saio daqui todo me achando e comungando com o velho Camões: Estou em paz com minha guerra”, concluiu, após coroar sua fala lembrando a fundação da Associação dos Docentes da Universidade de Brasília, em 1978, do qual participou ativamente e foi um marco na luta pela democratização do país.

 

Ainda durante o discurso, Vladimir Carvalho retomou de memória as rusgas com o ex-reitor José Carlos Azevedo, que vigiava dia e noite as movimentações políticas de alunos e professores. Em um dos momentos mais tensos dessa relação Vladimir recebeu uma correspondência no escaninho com os dizeres “sigiloso” e “pessoal”. Azevedo queria provas de que as viagens constantes do professor para produção de seus filmes não estaria afetando a rotina de aulas. “A intervenção dos amigos me salvou da demissão sumária”, lembrou.

Foto: Edu Lauton/UnB Agência

 

TRIBUTO – Velhos amigos estavam presentes na cerimônia que reconheceu uma trajetória de vinte e três anos dedicados a UnB, dedicação que continuou após a aposentadoria. Na plateia estavam o também emérito e fotógrafo, Luís Humberto Martins, Clodomir Ferreira, Venício de Lima, Márcio Curi e Briquet de Lemos. “A homenagem é mais do que merecida. Vladimir é um herói brasileiro, desse tipo de herói que não recebe condecorações”, disse Luís Humberto. “Na verdade ele já era emérito a muito tempo, antes mesmo de chegar a UnB”, reforçou o ex-professor da universidade e livreiro Briquet de Lemos.

 

Dácia Ibiapina, professora do Departamento de Audiovisuais e Publicidade e cineasta, usou a mesma linguagem que celebrizou Vladimir para resgatar parte da trajetória cinematográfica do mestre. Um compilado de dez minutos do longa de Vladimir Carvalho, Conterrâneo Velho de Guerra, dirigido por ela, mesclou imagens históricas do cineasta com cenas de produções contemporâneas. “Você é tema de nossa reflexão há muitos anos. Tento seguir algum de seus passos, mas você é um homem de muitos passos”, disse Dácia antes da apresentação da película.

 

O filme mostrou visita de Vladimir à cidade natal, Itabaiana, na Paraíba. Trouxe de volta também entrevista em que o cineasta comentava o lançamento de O País de São Saruê em 1979, barrado pela censura por quase uma década. Contou a epopéia de Barra 68, produção que partiu de imagens históricas que retratam a invasão militar a Universidade de Brasília em 1968 e narra a história da universidade desde sua fundação até o momento trágico. “Essa foi a saudação mais luminosa que já recebi”, disse Vladimir.

 

Para o reitor José Geraldo o título é mais do que uma distinção a um ex-professor que se destacou por suas contribuições a universidade. “Também é uma distinção para que a UnB se sinta honrada”, afirmou. O reitor lembrou que esta é a primeira outorga de professor emérito após as comemorações do cinquentenário da UnB, no dia 21 de abril. “E não poderia haver melhor escolha, podemos inscrever essa homenagem como uma expressão simbólica da UnB nos seus 50 anos”, destacou.

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