Atualmente, os aborígenes representam somente 2% da população da Austrália, com cerca de 500 povos diferentes, cada qual com suas tradições. No entanto, segundo a pesquisadora francesa Bárbara Glowczewski, diretora do Laboratório de Antropologia Social da Collége de France e professora da Universidade James Coock, na Austrália, antes do processo de colonização do país pelos ingleses, os aborígenes somavam entre 500 mil e 3 milhões e ocupavam todo o território australiano.
A antropóloga, que estuda a situação dos indígenas no país do Pacífico, foi a convidada para ministrar a Conferência sobre questões raciais e indígenas da França ao Brasil, passando pela Austrália, promovida pela Comissão UnB.Futuro na última quarta-feira (20), no auditório da Reitoria da Universidade de Brasília. Glowczewski trouxe um panorama da situação dos aborígenes após a migração dos britânicos para a Austrália até os dias atuais, retomando questões como o extermínio, as condições de vulnerabilidade e o racismo por eles enfrentados, mas também as conquistas de direitos das comunidades no último século.
A conexão com a terra é o que mantém a ancestralidade, os ritos, a cosmologia e a cultura dos povos aborígenes, como mostrou a pesquisadora em documentário exibido durante a conferência, com direção do cineasta nativo William Jowandi Baker. Mas foi justamente a privação à terra um dos principais resultados da inserção dos ingleses no território da Austrália, que sozinho possui praticamente toda a extensão do continente da Oceania. O tratado de Terra Nulius no século XIX declarou o local, sob a chancela das leis britânicas, como desabitado anteriormente, o que avalizou a livre ocupação pelos colonizadores.
De acordo com a professora francesa, as diversas etnias foram praticamente dizimadas, não só pelos assassinatos, mas também pelo contato com epidemias diversas e outras situações. “Massacres, envenenamento das fontes de água por arsênico, estupros sistemáticos, crianças desmioladas, torturas e abusos de todo o tipo abundam nos registros sobre a colonização”, comenta Glowczewski.
Além disso, vivenciaram um processo de etnocídio ao serem separados dos filhos, que passavam a ser criados por famílias britânicas e acabavam por não ter mais contato com a língua nativa e a cultura de seus povos. As comunidades que tentavam resistir eram destinadas ao trabalho forçado, sendo deportadas para as ilhas vizinhas.
AVANÇOS – Todo esse processo gerou impactos sociais e políticos às diversas tribos que ainda ecoam nos dias atuais, como a precariedade da educação e saúde para esses povos, a deterioração das populações e de suas culturas, o aparecimento de doenças diversas e transtornos, como a depressão, o suicídio, abusos diversos e o envolvimento com álcool e drogas. Entretanto, o sofrimento por eles experimentado motivou-os na luta por direitos e contra as discriminações raciais.
Glowczewski avaliou como uma das principais conquistas dos aborígenes australianos nas últimas décadas a decisão do Supremo Tribunal de Justiça do país, que permitiu a certos grupos aborígenes a reivindicação dos direitos de propriedade para recuperarem suas terras, o que abriu precedente para que outras tribos fizessem o mesmo. “Esta decisão em alta corte invalidou o princípio de Terra Nulius e permitiu o reconhecimento, numa escala que abrange todo o continente, do que foi chamado de Native Title – título de propriedade indígena nativa”.
Cerca de mil solicitações surgiram desde então para o reconhecimento da posse de terras, mas por volta de 600 ainda estão em tramitação. Apesar da conquista, a pesquisadora alertou que as governanças ainda resistem à ideia de os aborígenes serem beneficiados por direitos baseados em questões como o racismo e etnia. Ela também traçou um comparativo com a situação dos indígenas no Brasil, em que se vê a falta de atuação de órgãos voltados para a questão indígena e de representatividade desses povos nessas instituições.
Para o decano de Pesquisa e Pós-Graduação da UnB, Jaime Martins de Santana, a iniciativa da Comissão UnB.Futuro é de extrema relevância e figura como mais uma forma de compartilhamento do conhecimento. “Cada vez mais temos que combinar o aprendizado dentro e fora da sala de aula. Isso é importantíssimo para o futuro da Universidade”, alegou durante a abertura da conferência. O evento foi coordenado pelo professor do Instituto de Letras Antônio Marcos Moreira da Silva.