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Reunidos nesta quarta-feira (3), no Centro Comunitário da Universidade de Brasília, pesquisadores indígenas e indigenistas, lideranças de diferentes etnias, estudantes e ativistas foram convidados pelo pajé Lidio Kunumi Apyka Renda a somar energias em uma série de rezas tradicionais dos povos guarani-kaiowá. Em meio a cânticos e poesias, o líder indígena fez preces para harmonizar o ambiente, abençoar os presentes e dar-lhes as boas-vindas. O rito de acolhimento e celebração abriu a programação do 3º Congresso Internacional Povos Indígenas da América Latina (Cipial), que segue até sexta-feira (5), no campus Darcy Ribeiro. Esta é a primeira vez que o evento é sediado no Brasil.
Primeira mulher indígena a tornar-se deputada federal no país, Joênia Wapichana esteve na mesa de abertura e lembrou a trajetória de resistência dos indígenas desde o processo de colonização. Ela destacou a importância da união entre os diversos povos para avanço em questões que afetam não só as tradições indígenas, mas a sociedade como um todo, caso das mudanças climáticas e políticas socioambientais.
“Nada nos foi dado de graça, mas à base de conquistas e da união entre indígenas e não-indígenas. Nossa resistência, sabedoria e valores têm o mesmo peso, mas ainda há muitos desafios para os indígenas em ocupar os espaços e combater a discriminação e o ódio racial”, alegou. A deputada federal por Roraima frisou o crescimento do número de indígenas nas universidades e outros ambientes institucionais. “Nós estamos apenas ocupando espaços que são, há muito tempo, de nosso direito. Hoje temos advogados, engenheiros, pesquisadores e professores universitários, mas essa condição não nos tira a identidade indígena”, afirmou.
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Sônia Guajajara, coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), lembrou que, apesar de a presença indígena no ensino superior já ser uma realidade, ainda há muito o que se avançar para igualar e ampliar as oportunidades de acesso e garantir a permanência de povos de diferentes etnias na academia.
Reconhecida internacionalmente por sua atuação, Sônia vislumbra no Cipial um espaço para troca de aprendizagens, conhecimentos e diversidade de saberes, mas também para repensar os atuais moldes da educação. “Temos que estar juntos para lutar, a cada dia, por uma educação que reconheça os diversos saberes e que confira ao conhecimento que vem dos quilombos, das aldeias e dos ribeirinhos o mesmo valor com relação àquele que advém do espaço acadêmico”, disse.
A reitora Márcia Abrahão mencionou o pioneirismo da UnB nas discussões sobre as questões indígenas, sobretudo com a adoção do vestibular específico, desde 2006, para ingresso de povos de diferentes etnias. Para o próximo semestre, a expectativa é que a Universidade receba em seus cursos de graduação 84 estudantes indígenas, selecionados pelo certame.
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A gestora reconhece, no entanto, que esse número precisa ser ampliado e que o país enfrenta o desafio de avançar na implantação de políticas permanentes para estudantes indígenas. “Precisamos do contínuo apoio da nossa comunidade interna, da sociedade brasileira e de nossos parceiros da América Latina para que possamos superar nossas dificuldades e para que o país seja cada vez mais justo e democrático”, concluiu.
DIVERSIDADE NA ACADEMIA – Saberes tradicionais e acadêmicos, além de linguagens plurais – sejam elas científicas ou artísticas – se encontram e interagem nas diversas atividades do 3º Cipial. Trajetórias, narrativas e epistemologias plurais, desafios comuns é tema desta edição, coordenada pelo Mestrado em Sustentabilidade junto a Povos e Comunidades Tradicionais (Mespt). Proporcionar um ambiente de diálogo e trocas de experiências interculturais, valorizar o protagonismo indígena na produção científica e evidenciar os desafios vividos pelos diversos povos tradicionais na América Latina são propostas do encontro internacional.
Para Mônica Nogueira, coordenadora geral do 3º Cipial, mais do que integrar povos e diferentes saberes, o congresso recupera a memória sobre marcas deixadas na história indígena para pensar redirecionamentos na conjuntura contemporânea. “Estar aqui com pesquisadores indígenas e não-indígenas de toda a América Latina nos oferece a oportunidade de colocar em perspectiva não só nosso passado colonial, mas também a compreensão de como esse passado se atualiza ainda hoje na realidade dos povos indígenas”, afirmou, durante a abertura.
Nomeados em referência a diferentes territorialidades indígenas, dez espaços do campus Darcy Ribeiro foram designados para receber a programação (confira no mapa). Em oficinas, minicursos, fóruns e relatos de experiências, o público tem a oportunidade de se aprofundar na complexidade das vivências indígenas.
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Mais de 60 simpósios temáticos e sessões de pôsteres agregam a produção científica apresentada no evento e ampliam a percepção sobre assuntos relativos aos povos originários. Conferências com intelectuais indígenas também abrem caminhos para a expressão, por suas próprias perspectivas, das leituras sobre os desafios enfrentados por suas comunidades no atual contexto social e político internacional.
Uma imersão na diversidade cultural indígena é proporcionada por rodas de conversa, apresentações artísticas e mostras audiovisuais. Até sexta-feira (5), oito exposições fotográficas poderão ser visitadas em diferentes ambientes. É o caso da mostra Algumas Faces de Otavalo, montada no Espaço Fulni-Ô, localizado no Centro de Convivência Multicultural dos Povos Indígenas (Maloca). Trata-se de uma experiência etnográfica da maior feira ameríndia dos continentes, a Feira de Otavalo, no Equador. Outras interações culturais são estimuladas pelas feiras de artesanato e de troca de sementes, a última dedicada à fortalecer iniciativas de conservação da agrobiodiversidade.