O Conselho Universitário (Consuni) da Universidade de Brasília discutiu, em reunião nesta sexta-feira (2), o Future-se, programa do Ministério da Educação (MEC) para as universidades e institutos federais. A reunião extraordinária foi convocada pois o MEC deu prazo até o dia 7 de agosto para que as reitorias enviassem considerações sobre a proposta.
“Como sou representante de toda a UnB, nomeei uma comissão para fazer uma análise técnica do PL (projeto de lei) do Future-se. E, agora, ouço o Consuni, para que possa me manifestar até a data solicitada”, explicou a reitora Márcia Abrahão no início da reunião. A manifestação não se refere à adesão ou não ao programa, mas é uma consideração sobre o teor da proposta, que também está em consulta pública no site do MEC. “É importante que todos conheçam e opinem”, frisou a reitora.
A apresentação do relatório da comissão foi feita pela diretora do Instituto de Ciências Humanas (IH), professora Neuma Brilhante. “Nossa análise foi concentrada na ênfase dada, ao longo de todo o projeto, ao binômio gestão-financiamento”, pontuou. O relatório está dividido em três partes: na primeira, o grupo dedicou-se a trazer informações sobre a história da UnB e sobre ações já realizadas pelas instituição que concretizam supostas inovações do Future-se.
Na segunda parte, foi realizada a análise propriamente dita da proposta. “O que marca o projeto é o protagonismo dado às organizações sociais (OS), enquanto que as fundações de apoio, entidades juridicamente aptas para auxiliar atividades das universidades e com know how para isso, são completamente ignoradas”, comentou Neuma.
Também chamou a atenção do grupo a possibilidade de flexibilização das atuais regras de controle da utilização de recursos públicos e a ausência de informações sobre qual seria a composição do comitê gestor do Future-se. Na terceira parte, o relatório aponta para outros aspectos cinzentos da proposta. “Será que o programa vai considerar aspectos pedagógicos? Qual será o papel do PDI (Plano de Desenvolvimento Institucional) das universidades?”, questionou a diretora do IH. “Tampouco há menção sobre financiamento público às instituições federais.”
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O PL do Future-se prevê a possibilidade de as instituições federais de ensino doarem seu patrimônio para o fundo do programa. A falta de gestão das universidades sobre esse recurso também alarmou o grupo de trabalho. “As universidades doariam parte de seu patrimônio ao fundo e, em caso de dissolução, os recursos iriam para o MEC. Ou seja, estaríamos contribuindo com algo sobre o qual não vamos exercer nenhuma governança”, resumiu a professora Neuma.
AUTONOMIA – Os conselheiros elogiaram a qualidade técnica do relatório – nas palavras da representante do Instituto de Letras (IL), Enilde Faulstich, um trabalho “excelente e magnífico” – e criticaram o esvaziamento das funções das universidades proposto pelo PL.
“Este é um projeto de destruição da pouca autonomia que nós temos, porque propõe a adesão à governança do MEC e a cessão de nosso patrimônio. É o desmonte da universidade pública como ela é em toda a América Latina”, disse o diretor da Faculdade UnB Planaltina, Marcelo Bizerril.
“O Future-se parece mais uma carta de intenções, feito às pressas. Não há nenhuma informação sobre a equipe técnica que fez a proposta ou qual foi o diagnóstico que a embasou”, acrescentou o representante do Instituto de Física (IF), Tarcisio Marciano. “Este projeto está acoplado a um ‘Confisque-se’. No final das contas, com a retirada de recursos, não existe adesão voluntária”, acrescentou o vice-diretor da Faculdade de Educação (FE), José Luiz Villar.
Para o representante discente Matheus Barroso, o programa parece ser atrativo para quem está desinformado, mas “muda o caráter das universidades públicas, que passariam a ter natureza público-privada”. Ele leu uma carta assinada por outros representantes dos estudantes.
“Quem escreveu a proposta não tem vivência, não conhece as universidades”, acrescentou a estudante Jamile Jorge Sarchis, do Diretório Central dos Estudantes (DCE) Honestino Guimarães. Também foi lida parte de uma análise do setor jurídico da Associação dos Docentes da UnB (ADUnB), pela professora da Faculdade de Comunicação Liliane Machado.
MOBILIZAÇÃO – Estudantes e técnicos administrativos criticaram a ausência de representantes das categorias na comissão que analisou o PL. A reitora explicou que o grupo não foi criado por critério de representação, mas apenas para fornecer subsídios à discussão do Consuni, que aconteceu em um auditório da Reitoria lotado.
“Este assunto é de grande relevância para a nossa comunidade. Não à toa temos um Consuni tão cheio em plenas férias”, observou o representante dos técnicos Rogério Marzolla. “Penso que devemos nos organizar para a realização de uma assembleia com todos os setores para debater este projeto”, disse.
Maurício Sabino, do Sindicato dos Trabalhadores da Universidade de Brasília (Sintfub), também defendeu a realização de amplo debate com a comunidade universitária. “Há muitas coisas ameaçadas: a gratuidade do ensino, a essência da universidade pública, nossos empregos”, enumerou, lembrando que um dos espaços de interlocução deverá ser o Comitê em Defesa da UnB, lançado em abril pelo Sintfub e pela ADUnB.
Além do debate sobre o Future-se, os conselheiros também aprovaram uma moção de desagravo e solidariedade ao professor Ricardo Galvão, ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), recentemente exonerado do cargo.