artigos
OPINIÃO

Ricardo Toledo Neder é professor da Faculdade UnB Planaltina (FUP). Coordena o Observatório do Movimento pela Tecnologia Social na América Latina e a ITCP - Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (da rede universitária de ITCPs brasileiras), ambas com atuacão na Universidade de Brasilia, operando a partir da Faculdade UnB Planaltina. Graduado, mestre e doutor em Sociologia e Políticas Públicas com Pós-doutorado em Neocorporativismo e Teoria da Regulação, Desenvolvimento Territorial e Regional Sustentável e Filosofia da Tecnologia.

 

Sociólogo e economista político, professor associado da UnB. Editor-chefe da Revista Ciência & Tecnologia Social  e da coleção Construção Social da Tecnologia ambas vinculadas aos Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia no Brasil, e ao PLACTS – Pensamento latinoamericano de Ciência, Tecnologia, Sociedade, associados ao grupo de pesquisa Observatório do Movimento pela Tecnologia Social na América Latina. Coordena o Núcleo de Pesquisa NP+CTS (Políticas CTS – Ciência, Tecnologia, Sociedade) CEAM/UnB, e o Programa de Extensão Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (da rede ITCP de incubadoras universitárias no Brasil) sediada na UnB Planaltina.

Ricardo Neder

 

Na história da universidade e da pesquisa no Brasil se esperava que a formação científica dos profissionais resultasse em interesse público ou coletivo (melhores médicos, arquitetos, etc) atuando na sociedade. O esforço continuado da pós-graduação nos últimos 50 anos atendeu a esta aspiração. Contudo, já foi observado que a cada ano, aumenta o número de doutores e de publicações. Qual o sentido disto? Hoje, precisamos qualificar como e onde, de que forma e com quem (inserção social) este conhecimento está sendo levado para as comunidades no país, e se está ou não criando algo novo, ou apenas reproduzindo ciência ultrapassada.

 

Se a ciência é relevante para o desenvolvimento socioeconômico com equidade, sustentabilidade e cidadania deve ser uma das questões chaves para a Universidade como instituição social.

 

Diante das dificuldades não somos uma exceção; na América Latina - Argentina, Venezuela, Colômbia, Chile entre outros também sofrem estas limitações em universalizar e dotar de bases autônomas a pesquisa C&T. Devemos buscar respostas para reavaliar a pesquisa (pós-graduação) no Brasil.

 

Algumas lições são fornecidas pelo Pensamento Latinoamericano de Ciência, Tecnologia, Sociedade (PLACTS), influente na região antes da atual onda das teorias da inovação originadas de correntes neo-institucionais e neoliberais baseadas em estudos de caso de transnacionais e corporações.

 

Um representante atual deste pensamento, Renato Dagnino (prof. titular de Política de Ciência & Tecnologia da UNICAMP) tem demonstrado em seus estudos e pesquisas, que o PLACTS nos legou três ensinamentos no último meio século.

 

Primeiro, o PLACTS afirmou que onde não existia conhecimento necessário para aplicar um projeto político de alguma elite dominante, fomos capazes de armar a cadeia de inovação desde a base científica até ao sucesso econômico (caso do CTA-ITA/Embraer; Cenpes-Petrobrás; Marguinhos / Fiocruz; Institutos agronômicos de Pesquisa públicos/Embrapa). Tal esforço de criação e produção de conhecimento próprio e aplicações para atender demandas sociais está relacionado com uma segunda lição.

 

Se o regime econômico dominante for excessivamente tolerante ou subserviente à aquisição de pacotes tecnológicos, é quase certo que não haverá interesse nem dos empresários, e tampouco do Estado para fomentar políticas próprias a fim de alcançarmos autonomia tecnológica (Amilcar Herrera).

 

O que nos leva à terceira lição do PLACTS, corolário das anteriores: o conhecimento autóctone exige originalidade e identidade com nossas raízes. Esta necessidade enfrenta severos reveses diante de um sistema público de concessão de radiodifusão e televisão com grande dependência comercial à produção cultural massificada produzida pela indústria de entretenimento estadunidense. Isto aniquila a criatividade educacional e científica dos jovens e professores.

 

Outro complicador: não ousarmos o bastante na superação da crise da escola pública. O que dificulta ou inibe a qualificação da força de trabalho, pois há um medo latente de abrir a caixa preta do sistema escolar. Visitei recentemente uma escola pública com três turnos de 4.500 alunos no DF (o estado brasileiro que melhor paga seus professores). Ia propor um cineclube de ensino e pesquisa de ciências mas constatei, estupefato, que a banda larga acessível à escola é de 1 (UM) MB! Como podem alunos e professores, direção e comunidade escolar pensar em atuar com um sistema de internet assim, para abrir os muros das escolas à sociedade atual?

 

Estas dificuldades se explicam em decorrência de outra mazela que aflige a política de ciência & tecnologia. Grandes oligopólios (o caso acima de falta de universalização da banda larga de qualidade é um exemplo) tem com frequência bloqueado a aplicação em grande escala de boas práticas de pesquisa tecnocientífica no País. Por estas e outras razões, a abordagem CTS se afigura como uma visão mais realista no Brasil e na América Latina para enfrentar os desafios acima.

 

A razão é simples: modelos cognitivos importados para política de ciência & tecnologia (baseados em referenciais estadunidenses e europeus).não se propõem a resolver com pesquisa interdisciplinar em Ciência & Tecnologia a inclusão socioprodutiva dos grupos e classes sociais que estão nos andares de baixo da economia!

 

Modelos importados estão baseados na idéia de uma universidade alimentada pelas trocas de uma tríplice hélice entre apoio de verbas públicas a empresas que demandam ciência aplicada à universidade. Esta visão foi regulamentada no Brasil pela política pública (Lei da Inovação ou Lei do Bem que regula os benefícios fiscais de 2005). Em geral os incentivos podem chegar a 34% dos dispêndios privados nos projetos de PD&I, (sob modalidades de exclusão adicional de 60% a 100% dos dispêndios). Prevê ainda possibilidade de redução a 0 (zero!) da alíquota do imposto de renda retido na fonte nas remessas efetuadas para o exterior destinadas ao registro e à manutenção de marcas, patentes e cultivares.

 

Estas facilidades parecem, assim, mais importantes para os segmentos das empresas estrangeiras transnacionais, do que para as nacionais (transnacionais ou não). A grande diferença do que ocorre com esta tríplice hélice lá fora, e a que se tenta praticar no Brasil, é o fato de que no exterior 70% dos gastos com pesquisa & desenvolvimento são investimentos de risco das empresas. Aqui este percentual mal alcança 20%, e mais de 70% cabem ao estado.

 

A corrente CTS difere das anteriores tributárias da economia da inovação porque defende o vinculacionismo do pesquisador e profissionais formados na universidade com as comunidades por meio da circulação de pessoal qualificado com formação tecnocientífica adequada. São válidas todas as estratégias de pesquisa e extensão para aproximar política de C&T da inclusão social por meio do fomento às políticas públicas nos complexos da saúde, cultura, educação, transporte coletivo, saneamento, moradia, economia solidária, agricultura familiar, camponesa e dos povos indígenas. Soluções sociotécnicas que existem na universidade brasileira, mas que não alcançam soluções políticas capazes de desenvolver sistemas tecnológicos includentes.

 

Sistemas técnicos assim, carregam conteúdos sócio-cognitivos - o que significa permitem formular estratégias capazes de emular soluções locais de tecnologia social. Esta estratégia está presente na política brasileira de C&T brasileira. Desde julho de 2003, está criada e em funcionamento a quarta secretaria nacional de C&T para fomentar ações do CNPq e CAPES, com fundos públicos de pesquisa para as universidades e institutos públicos de pesquisa desenvolverem P&D para inclusão social e produtiva.

 

Há 10 anos que este foco está sendo perseguido a duras penas. E é compreensível que seja difícil avançar mais (apenas 2% do orçamento do MCTI está alocado nesta política). Primeiro porque a universidade pública e os institutos tecnológicos federais estão começando a ampliar suas vinculações com as comunidades dos andares de baixo da economia.

 

Vale lembrar que o primeiro andar da economia brasileira (transnacionais, corporações nacionais públicas e privadas num universo conhecido como as “500 maiores” que geram parte considerável do PIB nacional) emprega - onde de fato isto ocorre - cerca de 40% da força de trabalho no país. Quando incorporam inovações, adotam tecnociências importadas de laboratórios no exterior, com adaptações para aplicações locais a fim de aumentar a produtividade, o que rima com lucratividade.

 

Produtividade é indispensável, mas, isoladamente significa menos gente por postos de trabalho (como comprova o agronegócio de exportação) devido à automação e/ou inovações de processos e insumos industriais. Estas inovações geram desemprego - e em alguns segmentos trabalhadores nunca mais retornarão a seus antigos postos (caso dos ferramenteiros da industria automobilística). Expansão de ramos e cadeias subordinadas a estes segmentos com a introdução de novas tecnologias também serão parte de uma economia com crescimento, porém, sem-geração de emprego.

 

Para atuar nos andares de baixo da economia, a Universidade precisa aprender a praticar a formação de pesquisadores e profissionais, gestores e técnicos para políticas tecnocientíficas de outra natureza. Capazes de gerar inclusão socioprodutiva entre o grosso da população economicamente ativa (cerca de 60% dos 120 milhões no mercado de trabalho, a maioria jovens com inserção precária durante toda a vida).

 

Por estas e outras razões cabe a pergunta: quais as condições necessárias para que este novo regime de vinculacionismo (CTS) possa ampliar o desenvolvimento de políticas de adequação social do conhecimento científico e tecnológico junto (e com) a base da pirâmide social brasileira?

 

O primeiro e mais importante passo é cuidarmos de um amplo programa nacional de formação de docentes, pesquisadores, gestores e técnicos com a abordagem Estudos CTS na pós-graduação brasileira.

 

(É o que veremos no próximo artigo, terceiro da série)

 

ATENÇÃO – O conteúdo dos artigos é de responsabilidade do autor, expressa sua opinião sobre assuntos atuais e não representa a visão da Universidade de Brasília. As informações, as fotos e os textos podem ser usados e reproduzidos, integral ou parcialmente, desde que a fonte seja devidamente citada e que não haja alteração de sentido em seus conteúdos.