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OPINIÃO

Rozana Reigota Naves é professora e pesquisadora do Departamento de Linguística, Português e Línguas Clássicas (LIP), com ênfase na área de teoria e análise linguística, aquisição de línguas e educação linguística. Tem doutorado em Linguística pela Universidade de Brasília.

Rozana Reigota Naves

 

Ocorreu nesta semana de 21 a 25 de outubro, na Universidade de Brasília (UnB), o XXII Congresso Internacional de Humanidades [1]. Um dos produtos do igualmente longevo acordo de cooperação científica entre o Instituto de Letras da UnB e a Faculdade de História, Geografia e Letras da Universidade Metropolitana de Ciências da Educação do Chile (UMCE), o evento acontece anualmente, e alternadamente em cada um dos países membros do acordo.

 

Estávamos no XXI Congresso, no Chile, em final de outubro do ano passado, quando definimos o tema do evento deste ano: Democracia, deslocamentos e textualidades em contextos latino-americanos. Essa é a sistemática adotada tradicionalmente. Naquela ocasião, pairava a expectativa de que um senso de razoabilidade social e política prevaleceria no Brasil.

 

Retornamos – os brasileiros – ao país, movidos por uma consciência cidadã, na véspera de exercermos aquele que é o direito mais fundamental em qualquer democracia: o voto. Um entre outros direitos firmados no marco constitucional pós-redemocratização, como ilustra a seguinte imagem, fotografada no Museu Violeta Parra:

Foto: Arquivo Pessoal

 

A expectativa não se concretizou. Vivemos tempos de profundo obscurantismo, de constante ameaça à subsistência das instituições públicas de educação superior, de incessantes ataques ao pensamento científico em todas as áreas (mas em particular – e não por acaso – às Humanidades), de restrições de liberdades e de retrocesso de direitos.

 

Passado um ano, constatamos tristemente que a crise institucional, econômica e política não é prerrogativa da democracia brasileira. Estende-se aos mais variados contextos latino-americanos, de que este evento historicamente trata. Argentina, Peru, Equador, Chile têm sido cenários de grandes manifestações populares, cujo ponto de convergência é a luta contra regimes que desobrigam o Estado do compromisso com a reversão da extrema desigualdade social e impõem a desconstrução da democracia e o descrédito das instituições.

 

Nesse contexto, cresce o papel das ciências humanas e, em particular, da literatura, da arte e da cultura – os processos de hibridação que nos permitem manifestar em favor da vida, do trabalho digno e da justiça social. Eleva-se o papel das universidades como instituições em que a defesa da democracia, da coisa e do debate públicos, bem como das liberdades individuais e coletivas, constitui a razão de existir.

 

Encontros como os deste congresso são importantes mecanismos de construir, no ambiente universitário, a unidade em torno dessas teses maiores. E é pela canção de Violeta Parra, importante artista chilena, militante do ideal de unidade latino-americana, que expressamos nossa solidariedade ao povo chileno e aos nossos parceiros acadêmicos, nesse momento.

 

Me gustan los estudiantes

que con muy clara elocuencia

a la bolsa negra sacra

le bajó las indulgencias.

Porque, ¿hasta cuándo nos dura

señores, la penitencia?

Caramba y zamba la cosa

¡Qué viva toda la ciencia! [2]

 

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[1]  Este texto é uma versão adaptada do discurso da solenidade de abertura do XXII Congresso Internacional de Humanidades, na Universidade de Brasília, no dia 21 de outubro de 2019.

[2] Estrofe da canção Me gustan los estudiantes, Violeta Parra (1963).

 

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