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OPINIÃO

Carlos Eduardo Vidigal é professor do Departamento de História, da Universidade de Brasília. Graduado, mestre e especialista em História e doutor em Relações Internacionais, todos pela UnB. Desenvolve estudos na área de História das Relações Internacionais e de Política Internacional, com ênfase nas Relações Internacionais da América Latina, e Relações Brasil-Argentina. Suas pesquisas são sobre História Contemporânea do Cone Sul: poder, conflito e geopolítica; História da América: temas, abordagens, perspectivas; Poder e Política: história do pensamento e da cultura latino-americana.

Carlos Eduardo Vidigal

 

O reatamento das relações diplomáticas entre Cuba e Estados Unidos foi tomado pela imprensa e por boa parte da intelectualidade brasileira como grande acontecimento histórico. Fernando Novais não hesitou em identificar o acordo como o último episódio da guerra fria nas Américas, enquanto o também escritor e comentarista Carlos Heitor Cony o considerou o acontecimento mais importante do ano. Visto, porém, em perspectiva histórica, faz-se necessário avaliar o anúncio do dia 17 de dezembro último para além da superfície encrespada do mar, como diria o historiador Fernand Braudel.

 

Em termos diplomáticos, a relevância das negociações é inquestionável, seja na avaliação de Barack Obama, que destacou seu significado de superação de "uma abordagem obsoleta que, por décadas, falhou em defender os interesses americanos", seja na visão de Raúl Castro, que atribuiu à iniciativa norte-americana o merecimento de "respeito e reconhecimento do povo cubano". As dúvidas versam sobre o embargo comercial; sobre as repercussões domésticas da iniciativa; e sobre a sobrevivência do regime cubano. Na abordagem dessas questões é que a história pode contribuir no delineamento das possibilidades futuras.

 

Nesse sentido, o embargo econômico norte-americano e os 53 anos de disputas político-ideológicas não foram resultado imediato da guerra fria, uma vez que, nos anos 1950, os Estados Unidos não jogaram todo o seu peso em defesa do regime de Batista e se afastaram de Cuba somente em 1961, mais de dois anos após a entrada das forças revolucionárias em Havana, em 1º de janeiro de 1959. O determinante para que Washington se afastasse de Havana foram as medidas econômicas socializantes. Desde o início da guerra fria, os Estados Unidos questionavam a presença de regimes econômicos comunistas ou nacionalistas em sua área de influência.

 

Nessa perspectiva, há de se considerar a virtual dificuldade que o governo Obama terá no encaminhamento do tema do embargo econômico. Seu cálculo político, provavelmente, envolveu o apoio da opinião pública, para evitar que a oposição republicana, com a velha guarda dos cubanos de Miami, revertesse as expectativas criadas recentemente. As famílias cubanas de Miami desejam o fim do regime comunista, o "restabelecimento" da democracia e do Estado de Direito. Caso venham essas mudanças, o passo seguinte seria tentar, pela via judicial, reaver as antigas propriedades. Por isso, o posicionamento do Congresso norte-americano será decisivo tanto no tema do embargo comercial, quanto na definição dos termos da abertura bilateral.

 

Ademais, há que se considerar o processo de abertura do ponto de vista de Havana. Fidel e Raúl Castro iniciaram, há alguns anos, um processo de abertura controlada da economia cubana, de modo a conciliar atividades capitalistas com o regime comunista. A recente proposta de Washington foi um movimento irresistível no tabuleiro geopolítico do Caribe, pois Havana não poderia dizer não sem colocar em questão o principal pilar de sua política frente aos Estados Unidos: a ameaça iminente, tanto militar quanto econômica.

 

Os EUA fizeram, portanto, o que de pior poderiam fazer ao regime comunista cubano: privá-lo do inimigo à espreita, sempre disposto a interferir em favor da desestabilização do regime. Sem essa alegação e com as relações comerciais regularizadas, como manter o controle político interno?

 

Caso o Congresso norte-americano não faça a gentileza de manter o embargo econômico, quais saídas se apresentarão para Cuba no próximo ano? Ou o governo de Raúl Castro inicia processo de mudanças internas em direção à economia de mercado, com desdobramentos potencialmente sem controles; ou a presença de dinheiros e valores norte-americanos vai colocar fim ao regime de forma desordenada. No primeiro caso, o regresso à democracia precisará ser cuidadosamente negociado com o vizinho do norte. No segundo, o advento de conflitos armados internos não poderá ser descartado.

 

O primeiro passo - tão somente o primeiro - foi dado por Raúl Castro e Barack Obama, e os próximos meses darão lugar à continuidade das ações para a concretização do que já foi negociado. As atenções, no entanto, se concentrarão na questão do embargo, pois é ela que definirá o formato e a dimensão do anúncio de 17 de dezembro. Resta aguardar para saber se a efeméride confirmará a dimensão de acontecimento histórico.

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