Alexandre Pereira da Rocha
O cenário político brasileiro está envolto noutro escândalo de corrupção. Mal saímos da ressaca do “Mensalão”, implode o caso de desvios bilionários na Petrobras, a maior estatal do país e umas das maiores multinacionais do mundo. Diferente de outros, o caso da Petrobras – já apelidado de “Petrolão” – é problemático porque atinge o cerne dos financiamentos de campanhas eleitorais e das relações de empreiteiras com o setor público.
A despeito do Petrolão, no Brasil há tempos corrupção e política são entendidas como variáveis interdependentes. Neste sentido, parece pouco provável fazer política sem se corromper, portanto, os políticos tendem a ser corruptos. Se formos analisar pelos inúmeros episódios de corrupção na política, essa lógica está certa. Contudo, o correto é compreender que a corrupção é a perversão da política.
Ainda assim, na classe política brasileira há uma tendência em relativizar a corrupção. Logo, por exemplo: condicionar verbas parlamentares a apoio político, estipular propinas para empresas terem negócios com o Estado, desviar recursos públicos para fins privados, muitas vezes é considerado algo natural da política. Por outro lado, tais eventos de corrupção não ocorreriam sem a leniência e, às vezes conivência, do Judiciário e dos órgãos de fiscalização e controle, além da alienação da sociedade civil.
Com efeito, o Petrolão é a expressão mais crua da perversão da política brasileira. Por décadas, políticos e empreiteiros mantém relações obscuras com a Petrobras, nas quais se destacam: loteamento das diretorias entre amigos partidários e licitações com cartas marcadas. Tudo isso era natural até a Polícia Federal descobrir que havia uma rede de doleiros lavando dinheiro desviado dos cofres da Petrobras. Tais doleiros circulavam livremente pelo Planalto e Congresso, tinham amizades com políticos e empresários, afinal, mais do que ninguém, eles tinham condições de alvejar o dinheiro sujo.
Graças ao instituto da delação premiada, esse esquema está sendo desmascarado e denunciado. Ora, os principais envolvidos resolveram delatar em troca da redução da pena. Eles já disseram basicamente como o esquema funcionava. Um cartel de empreiteiras combinava preços para garantir contratos bilionários com a Petrobras. Do total desses contratos, uma parcela era destinada à propina de partidos políticos, que por sua vez indicavam os nomes para a diretoria da estatal. Tais diretores tinham a função de validar o esquema. Parte da propina servia para financiar campanhas eleitorais. Segundo estimativas da investigação policial, essa armação teria movimentado mais de R$ 10 bilhões.
O Petrolão se assemelha ao que vem ocorrendo nas regiões centro e sul da Itália, onde as máfias financiam políticos e controlam as administrações públicas. Em 2013, essas máfias teriam desviado cerca de 60 bilhões de euros. Nessa mesma linha, podemos reclassificar o Petrolão como um típico caso de máfia, bem como intitular políticos e suas legendas, doleiros e empreiteiros como mafiosos. Sem eufemismos. Não dá mais para relativizar a corrupção. É triste. O sistema político brasileiro está infestado de arranjos mafiosos, que pervertem o sentido da política. No caso da Itália, a União Europeia cobrou punições, pois defende que a corrupção “difama a credibilidade da classe política, além de ser um obstáculo para a afirmação da autoridade do Estado”.
É isso que já acontece no Brasil: há generalizada desconfiança na classe política e pouco reconhecimento do poder do Estado. Independente das cifras bilionárias que o Petrolão tenha desviado, o pior prejuízo que ele causa é aumentar a descrença do brasileiro num ambiente político honesto. Por consequência, passa-se a ideia equivocada de que todo o poder público é corrupto e ineficiente, logo, a solução seria a privatização. Daí esse escândalo também coloca em xeque o controle do Estado brasileiro sobre o próprio petróleo, uma das fontes energéticas mais cobiçadas do mundo.
Da mesma forma que a política brasileira, a Petrobras tem tido seu sentido desvirtuado pela corrupção. A primeira deveria servir para promoção da justiça e alcance do bem comum da nação; a segunda foi sonhada para proporcionar a independência energética do país. Destarte, além de investigar e punir os envolvidos no Petrolão, o desfecho desse caso pode ser útil para reencontrar o verdadeiro sentido das coisas, o que é fundamental para a legitimidade do regime político e desenvolvimento econômico do Brasil.
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