Nelson Inocêncio
A consciência negra é fruto do inconformismo. Nasce desde o momento em que indivíduos africanos e afro-brasileiros perceberam-se desumanizados pela escravidão que os transformou em mercadoria, em coisa, roubando-lhes dignidade.
A consciência negra cresce na medida em que tais seres humanos oriundos de diferentes grupos étnicos africanos compreendem que, apesar de suas diferenças culturais, todos estavam sujeitos às mesmas humilhações. Portanto, a partir daquele momento se dão conta de que entre eles existe uma história comum.
A consciência negra está na resistência de determinadas pessoas para não serem capturadas, ainda que por seus conterrâneos que decidiram alimentar o tráfico negreiro. Está na recusa do confinamento aos porões dos fétidos tumbeiros. Está nos corpos lançados no Atlântico durante a travessia macabra e na perplexidade dos que sobreviveram.
Ela perdura nos atos de insubordinação que resultam em rebeliões de senzalas, fugas, formações de quilombos e revoltas urbanas no chamado Novo Mundo. Ela continua a existir nas estratégias de dissimulação para manter os cultos religiosos tendo como referência as reminiscências de África, sua existência permanece na formação de irmandades afro-católicas. Mesmo o banzo, que acaba em depressão e morte, é oriundo dessa consciência, pois interpretado por certo ponto de vista, ele representa a rejeição às condições subumanas impostas pelo sistema servil.
Ao falarmos de consciência negra não podemos ignorar os embates protagonizados pelo movimento abolicionista, em particular por uma imprensa negra atuante. O imediato entendimento das coletividades negras de que o fim da escravidão não representaria o começo da cidadania também não deve ser subestimado ao fazermos alusão a essa consciência.
Consciência negra são as agremiações recreativas negras que desde o fim do século XIX desenvolviam trabalhos sociais relevantes. O vigor dessa consciência é que fomenta a criação da Frente Negra Brasileira, da Frente Negra Socialista, do Teatro Experimental do Negro, na primeira metade do século XX. Força motriz que ainda impele, dos anos setenta em diante, a constituição do movimento negro contemporâneo.
Isto tudo é consciência negra. Hoje podemos dizer que tal consciência se traduz na negação de estereótipos que foram produzidos historicamente pelo racismo; no interesse de aprender mais sobre seus antepassados, apesar das limitações impostas pelo silêncio das elites nacionais; na exigência de representações sociais decentes, evitando o contínuo tratamento jocoso como se negros fossem eternas caricaturas do humano, ou fossem quase humanos. A consciência é também a autodeclaração diante do mundo: sim, sou negra, sou negro!
Em cada um desses momentos a chama da consciência negra se torna sempre presente. São estas circunstâncias que nos fazem crer: Zumbi está vivo!
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