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OPINIÃO

Gilberto Lacerda Santos é professor do Departamento de Métodos e Técnicas da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília. Doutor em Sociologia do Conhecimento Científico e Tecnológico pela UnB, Ph.D e mestre em Educação pela Universidade Laval (Canadá). Foi estagiário de pós doutorado na Espanha, Canadá e França.

Gilberto Lacerda Santos

 

É incontestável que um dos grandes avanços do século XX foi o reconhecimento da educação formal para o desenvolvimento dos indivíduos e das nações, como instrumento de promoção da prosperidade, de fomento à emancipação humana, de combate à intolerância e de edificação da harmonia entre os povos. E é justamente a Educação, como mecanismo de construção da paz, que acaba de ser homenageada, nesse início de século XXI, por meio da concessão do Prêmio Nobel da Paz à jovem paquistanesa de 17 anos Malala Yousafzai, que se tornou um símbolo da resistência contra os talibans após sobreviver a um ataque em outubro de 2012, quando foi baleada na cabeça, ao regressar da escola. Enquanto o outro laureado, o ativista indiano Kailash Satyarthi, lidera a Marcha Global contra o Trabalho Infantil, um conglomerado de 2.000 organizações presentes em mais de 140 países, a voz de Malala ecoa pelo mundo afora a favor da educação e de seu poder de transformação social e individual.

 

Mas, a voz de Malala já fazia eco e já causava desconforto antes dela ser baleada e de ter a face destruída dentro do ônibus que a levava da escola para casa, para onde ela nunca mais voltou. Desde que os talibans, tentando tornar-se hegemônicos no Paquistão, proibiram a escolarização secular das meninas, Malala, então com apenas 14 anos, os desafiava. Ela simplesmente ia à escola diariamente.

 

Malala nasceu em 12 de julho de 1997, na cidade de Mingora, no Vale do Swat, no Paquistão. Sua mãe, uma dona-de-casa, e seu pai, um professor, proprietário de uma escola local, onde Malala estudava, sempre a incentivaram a estudar muito. E os talibans era diariamente desafiados posto que esse pai professor mantinha as portas de sua escola abertas para sua filha e para as meninas da região.

 

Um dia, em 2008, um jornalista da BBC procurou o professor pai de Malala para saber como as meninas da região estavam se sentindo com as proibições impostas pelos talibans e como aquela escola tinha se tornado uma espécie de ambiente de resistência às imposições desse grupo islâmico radical.

 

Malala foi, então, entrevistada e, certamente, a partir dessa situação, percebeu que detinha um poder que ultrapassava seu vilarejo, alicerçado no simples fato de ir à escola, juntamente com as outras meninas da região. Então, incentivada por seu pai professor e por meio das possibilidades que lhe trazia a Internet, à qual tinha acesso em casa, ela começou a manter um blog com o nome de “Diário de uma Estudante Paquistanesa“, agregado à BBC. Esse blog era anônimo. Mas era Malala quem escrevia.

 

Enfurecendo os talibans, Malala e seu pai professor resistiam. Ela, por meio de seu blog. Ele, por meio de sua escola que ia escapando dos ataques incendiários que, cotidianamente, destruíam várias escolas seculares da região. Cada novo dia era um dia novo e Malala não desistia. Ia à escola e “blogava” em seu diário.

 

Todavia, logo sua identidade foi descoberta e, no dia 9 de outubro de 2012, quando Malala tinha 15 anos, o seu ônibus escolar foi parado por dois homens mascarados que entraram, a identificaram e a alvejaram a queima-roupa, no lado esquerdo do rosto, atingindo a sobrancelha, o ombro e a nuca. Gravemente ferida, Malala, juntamente com duas amigas, foi socorrida e levada para um hospital, onde foi submetida a uma cirurgia no cérebro e, em seguida transferida para a Inglaterra, onde submeteu-se a nova cirurgia e, como ela mesma diz, recebeu uma nova vida.

 

Ao se recuperar, entretanto, Malala não se intimidou. Incentivada por seu pai professor, imbuiu-se de uma força extraordinária e passou a gritar mais alto ainda pelo direito à educação, para as meninas do Paquistão, para as meninas do mundo todo, para todas as crianças.

 

Malala nunca mais voltou para sua casa, no Paquistão. Passou a morar no mundo todo, tornou-se um símbolo do poder transformador da educação.

 

Cada vez mais ameaçada pelos talibans, ela segue seu caminho, sempre apoiada por seu pai professor. Foi recebida por monarcas, presidentes, dignitários mundiais. Dentre outros reconhecimentos, foi agraciada com o Prêmio Sakharov, criado em 1985 pelo Parlamento Europeu, e também concedido a Nelson Mandela, a Aung San Suu Kyi, a Xanana Gusmão e a outras personalidades que se destacaram na defesa dos direitos humanos.

 

Em julho de 2013, as 16 anos, Malala discursou na ONU, em Nova Iorque, diante de centenas de pessoas e com a simplicidade da criança que ainda é, proferiu uma frase simples, mas de conjectura contundente: “Um aluno, um professor, um livro e uma caneta podem mudar o mundo. A educação é a única solução. Educação primeiro.”

 

A indicação de Malala para o Prêmio Nobel da Paz é uma celebração da educação e do trabalho docente que, mesmo em condições adversas, pode ser um poderoso instrumento para a construção de um mundo mais justo, mais humano, mais democrático. Nós, os professores, devemos nos regozijar pelo reconhecimento mundial atribuído a essa menina que, generosamente, talvez tendo em mente o pai professor, nos associa à solução, à revolução positiva, ao empoderamento das crianças, dos jovens, das pessoas enfim, para ultrapassarem seus limites e firmarem-se na sociedade, transformando-a, melhorando-a, revolucionando-a.

 

O pai professor de Malala, dentre muitos outros sentimentos, deve se sentir homenageado como professor.

 

Esse Prêmio Nobel da Paz, atribuído à jovem Malala, de alguma forma, nos homenageia também!

 

Viva o professor, vida o Dia do Professor!

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