Lidia Natalia Dobrianskyj Weber
"A alma é renovada ao estarmos com crianças." Dostoiévski
Dia das Crianças é um dia que costuma ser lembrado por shoppings abarrotados e pelo consumo desenfreado, assim como muitas outras datas significativas que deveriam servir para reflexão. A nossa época é bem conhecida pelo desejo de “ter” ao máximo.
Com isso, vai se criando crianças que acreditam que a tal felicidade é apenas uma questão de posse de bens materiais. Só o prazer de guardar, de possuir, de comprar o último modelo de qualquer geringonça que seja, é que nos fará “felizes” por um momento. Depois da compra desejada, é preciso começar tudo de novo.
Para que pode servir o Dia das Crianças, afinal? Para refletir, conhecer, tomar consciência, homenagear, lembrar que já fomos crianças e observar que são felizes aqueles adultos que ainda mantém certo espírito infantil .
O que é uma criança? Uma criança é um ser que está em processo de desenvolvimento. Essa condição nos leva ao fato de que, enquanto adultos, temos obrigações especiais para com as crianças. Obrigações que incluem proteger, acolher, socializar e dar afeto às crianças, o que leva-as ao entendimento que são criaturas dignas de valor, que podem amar a si mesmas e a outros.
Infelizmente há adultos que também pensam que pelo fato de as crianças estarem “em desenvolvimento” não precisam ser ouvidas e nem tem a mesma autoridade moral dos adultos. Originalmente a palavra infância vem do latim e tem um valor negativo, significando “aquele que não fala”.
Porém, criança também tem a mesma origem e significa produzir, crescer, do mesmo radical que deriva “criatividade”. A compreensão atual, bem como as Leis, afirmam características positivas e próprias da criança, das quais os adultos sentem nostalgia. Nessa melancolia da própria história, os adultos, muitas vezes, buscam terapias e meditações para sentir de novo a inocência, o frescor, a ternura e a capacidade de encantamento de uma criança.
Estamos em uma época que a sociedade deve sempre levar em conta o princípio do “melhor interesse da criança” que pressupõe um ser em construção, com direito de todas as riquezas desse período. Não podemos, portanto, fechar os olhos para as violações à infância que ainda persistem no Brasil: cerca de 45 mil crianças e adolescentes institucionalizados; 700 mil crianças entre 5 e 13 anos trabalham de forma ilegal e, às vezes, em regime de escravidão; 500 mil crianças entre 7 e 14 anos estão fora da escola; são registradas, a cada dia, 129 casos de violência (física, psicológica e sexual) contra a criança, sendo que esse número deve ser bem maior, pois nem todos os casos são denunciados. Segundo dados oficiais 70% das violações de direitos das crianças e adolescentes são cometidas por um familiar.
Em relação à violência sexual, metade dos casos de estupro de crianças tem como autor pais, padrastos, amigos e conhecidos da vitima. Banaliza-se a violência “normativa” na educação dos filhos, com xingamentos, humilhações, beliscões e tapas que mostram apenas descontrole de adultos que deveriam cuidar e proteger. Enquanto sociedade, devemos propiciar melhores condições para prevenir e amparar o desenvolvimento da família, para que esse núcleo diverso e poderoso seja um porto-seguro, um modelo e um aconchego para a criação de um ser humano, e nunca um fator de risco para a criança.
Estamos longe da época em que abandono e filicídio era permitido por Lei, mas o fosso entre o princípio de “melhor interesse da criança” ainda é aterrador. Vale comemorar o Dias das Crianças e, mais do que presentes, incluir a reflexão sobre o real significado de cuidar, proteger, socializar e amar uma criança.
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