OPINIÃO

Paulo Gabriel Franco dos Santos é licenciado em Física (Unesp), mestre e doutor em Educação para a Ciência (Unesp). Atualmente é Professor Adjunto da Faculdade UnB Planaltina, atuando na Área de Educação e Linguagem. Tem experiência na área de ensino de ciências, educação CTS(A), questões sociocientíficas e teorias críticas.

Paulo Gabriel Franco dos Santos

 

Em tempos de crescimento de defensores da Terra plana, dos movimentos antivacina, dos usos do “quântico” como adjetivo que credita a uma série de produtos e práticas o status de científico, confiável e milagroso, de uma crise epistemológica e de referências, o que se revela é uma desorientação em meio à profusão de discursos, narrativas e argumentos dispostos com fácil acesso nas redes sociais e mídias em geral. Nos cabe, assim, como função política de formadores de professores e pesquisadores da educação, elaborarmos agendas formativas para a compreensão, a crítica e a ação sobre a realidade.

 

Ao tratarmos de ciência e tecnologia na vida concreta, algumas problemáticas se avultam no plano da socialização como estratégias de mistificação e encantamento, notícias falsas, promessas absurdas, riscos temerários e incongruentes, tudo isso sustentado numa suposição de analfabetismo científico ou ingenuidade. Com alguns ajustes de discurso, uso de um tom convincente, exaltação, dissimulação ou omissão de alguma informação, uma estrutura explicativa (com pretensão de teoria) aparentemente concorrente ou oposta está estabelecida, divulgada e recebida sem grandes resistências. Não controverter, no plano formativo, o estatuto, os processos e os produtos da ciência e da tecnologia é o mesmo que dizer que esses campos repousam em mansos prados ou que as problemáticas e consequências são temas para especialistas e não para estudantes. É justamente em resistência a esse modelo tecnocrático que advogamos a centralidade da contradição e da controvérsia na educação científica.

 

Quando, em início de curso, questiono meus estudantes sobre a função do ensino de ciências, encontro posicionamentos diversos que vão desde aumentar a praticidade para a lida com técnicas de uso cotidiano, a compreender como funciona o universo, até se tornar crítico. Ainda que carregado de certa racionalidade técnica que atribui ao fenômeno educativo valor de uso (válido enquanto útil) e o uso de jargões e discursos generalistas, há nessas abordagens propedêuticas matéria autêntica da qual podemos nos valer para, como sustentação ou problematização, desenvolver um entendimento mais profundo sobre a função do ensino de ciências.

 

Não é novidade para a área de Ensino de Ciências o entendimento de que não cabe ensinar uma ciência fria, linear, neutra, isenta de idiossincrasias, como se fosse um pacote pronto de conceitos, leis, teorias e estruturações lógico-matemáticas, enquanto esta mesma, no plano da vida concreta e ao longo da história, constitui-se por processos culturais, estéticos, éticos, ideológicos e, portanto, contraditória.

 

Os nossos esforços, no âmbito do ensino de graduação, na formação de futuros professores, de projetos de pesquisa e ações de extensão em escolas públicas do DF têm sido orientados no sentido de formar pessoas para a lida com a contradição, o estabelecimento de um estado de suspeição sobre discursos e produtos difundidos e a elaboração de estratégias para a sua análise e crítica. Apostamos, para tanto, na discussão das interações entre ciência, tecnologia, sociedade e ambiente e no tratamento de Questões Sociocientíficas como forma de reconhecimento dos aspectos internos e externos da ciência e da tecnologia, das contradições desses empreendimentos no mundo concreto, dos atores sociais e institucionais envolvidos nas controvérsias, dos interesses e vieses, além da viabilidade de práticas argumentativas, de análise de discursos, informações e mídias, da construção de posicionamento e do estímulo à participação pública. Reconhecemos que essas práticas e concepções posicionam a alfabetização científica e tecnológica em lugar de importância na formação cidadã, o que parece urgir nos nossos tempos.

 

 

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