OPINIÃO

Maurício Bugarin é professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília. PhD em Economia pela Universidade de Illinois e Líder do Economics and Politics Research Group – EPRG, CNPq/UnB

Maurício Bugarin

 

Na madrugada de 24/4/2020 o Presidente Jair Bolsonaro exonerou o diretor-geral da Polícia Federal (PF). No mesmo dia o Ministro da Justiça Sérgio Moro apresentou seu pedido de demissão, alegando ingerência política na PF. O presidente nomeou Alexandre Ramagem para o cargo vacante na PF dia 28/4; no entanto, o Ministro Alexandre de Moraes do STF anulou essa nomeação. Em decisão-relâmpago, Bolsonaro nomeou e empossou em 4/5 Rolando de Souza no cargo máximo da PF.

 

Questiona-se: Essa crise institucional poderia ter sido evitada? A resposta é imediata: Sim, se o diretor-geral da PF tivesse um mandato com prazo fixo, pois blindaria a PF de ingerências políticas extemporâneas. Atualmente existe na Câmara dos Deputados a PEC 412/2009 propondo justamente a autonomia da PF.

 

Uma questão menos evidente, mas extremamente relevante é: Caso seja atribuído mandato com prazo fixo ao diretor-geral da PF, quando deve ser iniciado esse mandato?

 

A literatura econômica contribui para elucidar essa questão. Em artigo recente[1] os autores usam a teoria dos jogos para mostrar a importância não só de um banco central (BC) independente em que seu presidente tenha mandato fixo, mas também de que esse mandato seja intercalado com o do presidente da república. Ou seja, ao assumir seu mandato, o presidente da república “herda” e mantém por mais dois anos o presidente do BC nomeado anteriormente.

 

Essa proposta –adotada nos Estados Unidos e Chile, p.ex.– tem uma simples justificativa: a informação é uma variável fundamental na formação das expectativas de inflação da sociedade. Em período eleitoral é natural haver incerteza quanto à futura condução da administração pública, associada à eleição de um novo presidente. Quando o presidente estreante tem a autonomia de nomear imediatamente o responsável pelo BC, adiciona-se a incerteza quanto à condução da política monetária do país. Isso explica os piques inflacionários e de taxas de juros próximos à troca de presidente no Brasil. Se um presidente do BC já conhecido da sociedade for mantido por mais dois anos, reduz-se a incerteza eleitoral, limitando-se o impacto das eleições sobre a economia.

 

Esse argumento estende-se facilmente para outros órgãos governamentais que têm a característica de serem órgãos de Estado, com missão que extrapola os interesses de um presidente específico. Esse é o caso da PF à qual cabe, entre outros, apurar infrações que envolvam danos ao patrimônio da União. Por essa razão, com frequência a PF é levada a investigar integrantes do governo federal, como no famoso caso da “Operação Lava-Jato”.

 

Portanto, quando um novo presidente é eleito, e ele tem a autonomia de indicar imediatamente o novo diretor-geral da PF, a sociedade não sabe exatamente como esta conduzirá a investigação dos atos da administração. Se, por outro lado, o diretor-geral já estiver na condução da PF há dois anos, já há informação revelada por sua atuação pregressa e, destarte, haverá menor incerteza pelo menos quanto a esse aspecto do novo governo. Esse aumento de informação disponível à sociedade quanto à futura condução da PF constitui a grande vantagem de se ter o mandato do diretor-geral da PF intercalado com o do presidente da república.

 

[1] Bugarin, Maurício e Fábia Carvalho (2020). Elections, Heterogeneity of Central Bankers and Inflationary Pressure: The case for staggered terms for the president and the central banker. Revista Brasileira de Economia, no prelo.

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