OPINIÃO

Thaïs de Mendonça Jorge é professora do Departamento de Jornalismo (FAC) e foi Secretária de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB).

Thaïs Jorge

 

Na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro disse, na porta do Palácio da Alvorada, que estava organizando um churrasco. Já havia 1.200 convidados, comunicou ele a seu fã clube. Um dos presentes perguntou: “Presidente, o senhor não vai me convidar para o churrasco?” Bolsonaro parou, disse que os gastos estavam sendo repartidos (R$ 80 para cada um) e confessou que ia ter até “uma peladinha”.


No sábado, 9/5, dia marcado para a festa, o Brasil ultrapassou os 10 mil mortos pela Covid-19. Bolsonaro desistiu do churrasco, mas foi passear de jetski no Lago Paranoá, em Brasília, enquanto cidades como Manaus, Fortaleza, São Paulo e Rio de Janeiro se debatiam com problemas de superlotação do sistema de saúde, falta de insumos sanitários, perda de profissionais e de muitas outras vidas.


Domingo, 10/5, quando o país alcançou 11 mil vítimas fatais, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) divulgava o vídeo de uma festinha em casa com a presença do pai. O filho do presidente usou uma forma criativa para revelar o sexo de seu primeiro rebento: com a espingarda, atirou num balão, que liberou dezenas de objetos cor-de-rosa.


“Morte e vida sempre estiveram juntas”, lembrou a Secretária de Cultura, Regina Duarte. Em entrevista à CNN na quinta-feira, 7/5, deu voz às ideias do próprio presidente da República que, ao enfrentar questões sobre o coronavírus, soltou o “e daí?”, pois, segundo ele, “pessoas vão morrer mesmo”. Quem decretou que tinham que ir-se, de uma só vez, Morais Moreira, Rubem Fonseca, Sérgio Santanna, Flávio Migliaccio, Aldir Blanc, Abraham Palatnik, Carlos José?


Foi o próprio presidente que, no sábado do churrasco gorado, postou, em sua conta no Twitter, mensagem afirmando que “jornalistas idiotas” acreditaram na notícia, denominada por ele de “fake”. Nisso não foi nem um pouco inovador, pois copiou a tática do presidente norte-americano Donald Trump. Trump inclusive reivindicou para si a autoria da expressão “fake news”, sendo desmentido prontamente pelos lexicógrafos da língua inglesa.


Nesta reduzida mostra de episódios, temos pontos suficientes para considerar que, além de viver tempos de calamidade, atravessamos um período de insanidade. E isto está a comprometer não só a imagem do Brasil no exterior como aquilo a que chamamos de democracia. Em nenhum momento, o mais alto dirigente do país veio a público se solidarizar com as famílias que registram perdas dolorosas; não teve o cuidado de dar esperanças a uma nação estilhaçada pelos casos crescentes de Covid-19; nem apresentou à população os esforços que o governo federal estaria fazendo para conter a pandemia.


Ao contrário, governadores são relegados à própria sina – o governador do Maranhão, Flávio Dino, foi ofendido nas redes sociais pelo presidente Bolsonaro, por causa da decisão de decretar o lockdown em várias cidades do Estado; o do Amazonas, Wilson Lima, debate-se com a falência dos hospitais e a ameaça de a Covid-19 devastar aldeias indígenas; no Ceará e em Pernambuco, as pessoas estão morrendo como moscas em Unidades de Pronto-Atendimento (UPAs) que não têm as mínimas condições de realizar seu trabalho. Ou falecem sem sair da ambulância. Em São Paulo, enterros são realizados à noite para dar conta de tantos corpos.


O mesmo presidente joga suspeita sobre as urnas eletrônicas – “Vocês acreditam em urna eletrônica?”, perguntou ele no Alvorada aos adeptos aglomerados, que nem souberam o que responder – e afirma que era para ser eleito no primeiro turno. É o presidente viril, que conclama os brasileiros a enfrentar a doença “como homem, não como moleque”, mas se recusa a dar satisfação aos eleitores quanto ao resultado do exame de coronavírus. Nessa hora, alega razões íntimas e se esquece de que está investido num cargo público, e sua figura é, portanto, pública. Enfim, a ideologia das armas está sempre presente, até na festinha de comemoração da vinda de mais um neto.


Quando, a 3/5, desfila e expõe a filha Laura – ambos sem máscara – diante de uma multidão que pede o fechamento do Supremo Tribunal Federal, ele atinge o coração dos poderes que são a sustentação do regime democrático. Além de atacar instituições como a Justiça Eleitoral e a Polícia Federal, o presidente Jair Bolsonaro vem diuturnamente desrespeitando a imprensa.

O presidente da República é, sim, responsável pelas vidas que se vão. Já chegam a 14 mil os mortos pela Covid-19 no Brasil. Nosso comandante-em-chefe não educa nem informa corretamente, contribuindo para desestabilizar o sistema de pesos e contrapesos que tem na imprensa um importante e essencial elemento. A extrema-direita é mestra nisso: em manipular e desinformar, fermentando nas redes sociais o discurso do ódio para engajar mais pessoas e crescer.

Com o apoio de sua claque, ele não pestaneja em mandar jornalistas “calar a boca”, quando lhes concede a graça de atendê-los. Entretanto, planejar um almoço para mais de 1 mil convidados, dizer que os jornalistas  estão mal informados por divulgar o evento, e alegar que a notícia (que ele próprio deu) é falsa – isto significa mentir para a opinião pública e dançar em cima dos milhares de ataúdes que todos os dias são levados para os cemitérios brasileiros.  

Até quando?

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