OPINIÃO

 

Cristiano Otávio Paixão Araujo Pinto é professor da Faculdade de Direito da UnB. Procurador Regional do Trabalho em Brasília. Mestre em Teoria e Filosofia do Direito (UFSC). Doutor em Direito Constitucional (UFMG).  Foi Conselheiro da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça (2012-2016) e Coordenador de Relações Institucionais da Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade da UnB.

 

 

Ricardo Lourenço Filho é juiz do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região; doutor e mestre em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília; professor do Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP; integrante do grupo de pesquisa Percursos, Narrativas, Fragmentos: História do Direito e do Constitucionalismo (CNPq/UnB).

Cristiano Paixão e Ricardo Lourenço Filho

 

O Direito do Trabalho está sendo reescrito no Brasil. Os autores do texto, contudo, não estão nas fábricas, escritórios, lavouras, lojas ou canteiros de obra. Quem comanda a nova ordem é essa entidade abstrata que se convencionou denominar "mercado", cujas visões informam uma série de decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nos anos de 2016, 2018 e 2020. No que diz respeito aos direitos sociais, e particularmente ao direito do trabalho, o STF tem sido um verdadeiro agente desconstituinte.


A decisão monocrática divulgada no último dia 27 de junho, referente ao índice de correção de débitos trabalhistas , é a etapa mais recente desse "ativismo judicial da destruição".
O protagonismo do STF se revela em três conjuntos de decisões.


O primeiro deles relaciona-se ao direito de greve de servidores públicos. Em dois casos julgados em 2016 (uma decisão monocrática e um acórdão do Plenário), foi inteiramente subvertido o sentido do texto do art. 9º da Constituição da República, que estipula o direito de greve, "competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender".


No primeiro precedente (Reclamação nº 24.597/SP), foi determinado que uma greve de trabalhadores do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo fosse imediatamente paralisada. No segundo caso (RE 693.456-RJ), decidiu-se, com repercussão geral, que o administrador público tem o dever de proceder ao corte dos salários dos servidores em greve assim que a paralisação se iniciar.


As decisões privam do direito de greve determinadas categorias de servidores públicos e, para as demais, impõem o desconto salarial assim que o movimento paredista for desencadeado. Como escrevemos à época , é o mesmo raciocínio utilizado na teoria do direito penal do inimigo. Para evitar que o "mal" (a greve no setor público, na visão do STF) se concretize, adotam-se medidas que combatam, "na raiz", qualquer movimento de paralisação, inviabilizando, em termos práticos, o exercício do direito.
Essa inversão do sistema de proteção do trabalho, em que a greve é, de início, pressuposta como algo a ser evitado, ocorreu num período de plena vigência de uma Constituição democrática, que assegurou o direito de greve. A partir das decisões do STF, a repressão tornou-se um imperativo a todo administrador público que se deparar com a deflagração de um movimento paredista.


Passemos à segunda onda de decisões precarizantes do STF em relação ao mundo do trabalho. Elas ocorreram em 2018.


Uma delas compreende a chamada terceirização, que nada mais é senão a locação de mão de obra, por meio da qual o trabalho humano é admitido como objeto da atuação empresarial. Ao invés da relação bilateral empregado-empregador, na terceirização há uma empresa intermediária que fornece a mão de obra e obtém lucro por meio dessa atividade. Isso significa maior precarização da situação do trabalhador. A prática, inicialmente vedada pela jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, acabou por afirmar-se em alguns campos do mercado, especialmente serviços de limpeza e conservação. O TST, por meio de sua Súmula nº 331, adotou então uma solução intermediária, que privilegiou a distinção entre atividade-fim e atividade-meio da empresa como critério definidor para a licitude, ou não, da terceirização.

 

Clique aqui para ler o texto na íntegra

 

__________________________________________

Publicado originalmente em Jota Info em 29/6/2020

ATENÇÃO – O conteúdo dos artigos é de responsabilidade do autor, expressa sua opinião sobre assuntos atuais e não representa a visão da Universidade de Brasília. As informações, as fotos e os textos podem ser usados e reproduzidos, integral ou parcialmente, desde que a fonte seja devidamente citada e que não haja alteração de sentido em seu conteúdo.