OPINIÃO

Rafael Santos Santana é farmacêutico pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). Doutor pela Universidade de Brasília, professor e orientador do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da UnB.

Rafael Santos

 

A polêmica reportagem do Intercept de fevereiro desse ano demostra claramente as divergências dos representantes da profissão farmacêutica durante a atual crise sanitária, na qual de um lado observam-se conselheiros que tentam numa atitude improvável sinalizar a compra de vacinas para a categoria e de outros sindicalistas da profissão reagindo ao que identificam como tentativa de “furar a fila” da vacinação.


Com pouco efeito prático sobre o tema principal, a meu ver a reportagem tem um efeito imediato na categoria, desvalorizar ainda mais o trabalho dos profissionais das farmácias comunitárias. Ao levantar questionamentos sobre seu grau de exposição laboral, ignora-se o fato de que desde o início da pandemia, os infectados realizam tratamento ambulatorial tendo a farmácia como principal estabelecimento de saúde para acesso a cuidados. Enquanto a atenção primária e hospitalar se organizava, os auxiliares e farmacêuticos comunitários tiveram que lidar com a corrida da população pelo álcool gel, vitaminas, cloroquina e tantos outros.


Enquanto o comércio fechava e as ruas se esvaziavam, a farmácia era e continua sendo o local de mais acesso a cuidados pela população. Funcionários tiveram que lidar com o aumento da rotatividade de pessoas, num momento de medo e pouco suporte governamental, que naquele momento inclusive não recomendou claramente a utilização de EPIs pelos trabalhadores da Farmácia, mesmo com nosso alerta e conforme estava ocorrendo em outros países.
O desapreço por parte das lideranças e dos entes governamentais para essa categoria, que supera meio milhão de pessoas tem impacto direto na autoestima dos trabalhadores. Certa vez, ao questionar um público de aproximadamente 200 estudantes de farmácia sobre quem se enxergava trabalhando em uma drogaria no futuro, apenas dois colegas levantaram a mão, apenas 1%! Os dados apontam, porém, que mais de 80% dos farmacêuticos do país trabalham em farmácias comunitárias. Mais delicado ainda são os auxiliares e técnicos de farmácia que sequer possuem regularização da profissão, não são monitorados e tampouco possuem incentivos de capacitação.


Mesmo sem treinamento prévio, farmacêuticos e equipe de todo o país prestam atendimento a pacientes suspeitos e confirmados de covid-19, que em sua maioria nem sequer procuram as unidades básicas ou hospitais, precisam lidar diariamente com a devastadora automedicação de medicamentos sem eficácia contra o coronavírus, já realizam nas farmácias mais de 2 milhões de testes rápidos e já se disponibilizaram para auxiliar na vacinação quando for preciso, podendo chegar a vacinar até cerca de 2 milhões de pessoas por semana, como ocorre atualmente nos EUA ou na União Europeia.


Segundo dados do Ministério da Saúde em 2020, mais de 11 mil farmacêuticos precisaram de atendimento hospitalar por complicações da covid-19, número inferior apenas ao dos médicos e enfermeiros, igualando-se ao dos fisioterapeutas e superando as internações de dentistas e de psicólogos, por exemplo, que modificaram sua forma de atendimento e conseguiram preservar parte da categoria.

 

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