OPINIÃO

Kelly Tatiane Martins Quirino é doutora em Comunicação pela Universidade de Brasília - UnB (2017) na linha Jornalismo e Sociedade. Mestre em Comunicação Midiática (2010) e bacharel em Comunicação Social, habilitação em Jornalismo (2006) ambos realizados na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Atualmente é professora das disciplinas Comunicação e Diversidade e Epistemologias Negras da Faculdade de Comunicação – FAC.

 

 

Kelly Quirino

 

No último dia 08 de março, uma segunda-feira, acordei com várias mensagens de pessoas me parabenizando pela data. Felicitações, flores, corações, cartões. Eu não respondi a maioria delas. As que respondi, foi para explicar que o 08 de março é um dia de luta contra a opressão que sofremos por sermos mulheres. Enquanto mulheres continuarem morrendo por serem mulheres, precisamos diariamente denunciar o sexismo herdeiro desta estrutura patriarcal que herdamos há milênios.


Digo isto, porque, em um contexto de pandemia, no ano de 2020, a casa não foi sinônimo de proteção para nós mulheres. Dados do Disque Mulher (180) do Ministério da Família, da Mulher e dos Direitos Humanos, registrou mais de 105 mil denúncias de violência contra a mulher. Dados da Rede de Observatório de Segurança apontam que, no ano passado, cinco mulheres foram vítimas de feminicídio no Brasil. Elas foram mortas por serem mulheres.


É muito complexo entender esta equação. Em uma sociedade contemporânea que afirma respeitar os direitos humanos, de grupos historicamente excluídos e que se orgulha pelos avanços tecnológicos e científicos, por que mulheres ainda são assassinadas por seus companheiros, na maioria dos casos?


Há várias explicações. A principal, já apontada por Simone de Beauvoir em “O Segundo Sexo” é a criação do patriarcado que construiu socialmente que a mulher deve ser submissa, dependente do homem e inferior. Na Antiguidade, as mulheres gregas e romanas só serviam para a reprodução. Elas ocupavam o mesmo lugar do escravo. O filosofo Platão chegou a afirmar: “se a natureza não tivesse criado as mulheres e os escravos, teria dado ao fiar a capacidade de fiar sozinho”. A partir desta frase, já é possível identificar o quanto a mulher foi subestimada na História.


Aliás, a própria História que temos nos dias atuais não contam as narrativas das mulheres. Cristine de Pisan, Joana D’arc, Abigail Adams, Olympe de Gouges, Dandara, Akotirene, Aqualtune, Luiza Mahin, são mulheres de extrema importância nos momentos históricos que viveram e não são abordadas nas aulas de História. Pude perceber que isto ainda continua, porque ao lecionar sobre Feminismo para meus alunos, que atualmente estão na faixa dos 20 anos, eles me disseram que não tiveram história das mulheres no ensino fundamental e médio.


Ou seja, como é possível ficarmos felizes com o 8 de março se as instituições não contam nossas histórias, somos subestimadas e ainda assassinadas em pleno século XXI. Nos estarrecemos com a perseguição das bruxas pela Inquisição, mas será que somos melhores do que há 5 séculos atrás ?


Não, não somos! Por mais que há 170 anos, nós mulheres estejamos organizadas e tenhamos avançados no acesso a direitos como voto, trabalho, saúde reprodutiva, educação ainda somos tratadas como segundo sexo. E se analisarmos pelo recorte interseccional, mulheres negras e indígenas ainda são mais vulnerabilizadas por sofrerem com o racismo.


Então, não nos parabenize. Ainda não há o que se comemorar no dia 08 de março. Há que se lutar, para avançarmos contra o sexismo, racismo e pelo fim do patriarcado. Até chegarmos este momento, sigamos juntas em memória e honra de todas as mulheres vítimas do apagamento histórico, da violência e do feminicídio.

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