OPINIÃO

Berenice Bento é professora do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília e doutora em Sociologia pela UnB/Universidade de Barcelona.

Berenice Bento

 

Visitei a Palestina duas vezes. Uma no inverno, outra no verão. Na primeira vez, em agosto de 2015, fiquei 10 dias. Voltei em novembro de 2016 para uma temporada de três meses. Abreviei minha estadia. Tornou-se insuportável seguir lá. Diante dos abusos e violência que presenciei, eu sentia que meu corpo, a qualquer momento, entraria em combustão, como um transformador de energia no alto de um poste. Precisei voltar. O coração das trevas, o horror contemporâneo, chama-se colonialismo e apartheid israelenses.

 

O colonialismo israelense ocupa todos os poros da vida palestina. Da burocracia à violência letal, nada escapa ao controle colonial microfísico. Por dias, eu vi a humilhação dos trabalhadores nos postos de controle militar. Eles precisavam ter sorte para conseguir fazer a travessia do posto de controle para chegar ao trabalho às 8 horas da manhã. As filas começavam a se formar por volta das 3 horas da manhã. Durante o inverno, a travessia tornava-se ainda mais penosa. Enquanto eu esperava para fazer a travessia, um trabalhador me disse, em inglês: “Está vendo? Somos gado, animais, não somos humanos”. Ele não estava errado. Toda a estrutura dos postos de controle militar é inspirada em um matadouro de gado. Durante a travessia, o posto pode ser fechado porque algum(a) palestino(a) foi executado ou ferido. A previsibilidade do cotidiano em contexto colonial não existe.

 

Em 2015, participei de um protesto em Ramallah por justiça para um bebê de 18 meses e de seus pais. Eles foram queimados vivos por terroristas sionistas que incendiaram a casa da família. Naquela manifestação, uma criança palestina de 16 anos foi assassinada pelo exército israelense. Por dias, os postos de controle militar ficaram fechados. Se o posto de controle é fechado, não tem como o trabalhador palestino chegar ao trabalho e serão dias sem salário.

Berenice Bento está à frente da exposição Palestina, meu amor. Foto: Arquivo pessoal

 

Eu tentei, algumas vezes, autorização para visitar Gaza. Impossível: apenas funcionários da ONU têm autorização de Israel para entrar. Engana-se quem diz que Gaza é uma prisão ao céu aberto. Não existe nada aberto em Gaza. O céu, o mar, as fronteiras, tudo é controlado por Israel.

 

A exposição Palestina, meu amor soma-se aos eventos que acontecem em maio em todos os cantos do mundo. A catástrofe (Nakba) palestina já dura 73 anos. A Nakba não foi um ato único que aconteceu em 1948. Não existe interrupção na política de limpeza étnica e genocida de Israel. Foi o que eu testemunhei, com o corpo tremendo e com sangue nos olhos.

 

Para acessar as fotos e textos da exposição: https://berenicebento.com/palestina-meu-amor/.

 

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