OPINIÃO

 

Ana Magnólia Mendes é professora do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações da Universidade de Brasília (UnB). Coordenadora do Núcleo Trabalho, Psicanálise e Crítica Social e do projeto Clínica Psicanalítica com Trabalhadores em Adoecimento na UnB. Doutorado e mestrado em Psicologia pela UnB, sanduíche na Universidade de Bath, Inglaterra, graduação em Psicologia na UFPE.

Ana Magnólia Mendes

 

Uma injunção corriqueira proferida pelo discurso capitalista veiculado pela gestão produtivista e narrada pelos trabalhadores que fazem parte do nosso projeto de pesquisa Clínica Psicanalítica com Trabalhadores em Adoecimento (Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.), realizado no Núcleo Trabalho, Psicanálise e Crítica Social do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho da UnB.


Trabalhadores que são de “carne e osso” e por isso, adoeceram gravemente, quando vivenciaram o trauma da violência e do assédio moral no ambiente de trabalho. Desde 2015, escutamos estas sujeitos, na maioria das vezes, adoecidos por depressão, síndrome do pânico, fobias e ideação suicida e outros transtornos físicos, psicossomáticos e psíquicos. São trabalhadores que chegam destruídos pelo silêncio gritante ao qual foram submetidos, dada à exposição as mais diversas situações de desqualificação, despeito e constrangimentos. Situações que nem sempre são visivelmente agressivas, mas muitas vezes, veladas pelas sutilezas do discurso, mascarado numa voz mansa, requintada, metafórica, indireta, invisível.


Violência que tem se agravado enormemente com os novos modos de trabalho em plataforma numéricas, que forjam sujeitos-máquina, ou seja, o trabalhador não é mais o prolongamento da máquina, mas a própria máquina. Assim, “sorria menos” é um modo de violência que tem atingido os trabalhadores que recusam este modo de ser e apresentam-se na sua humanidade, limitada, e ao mesmo tempo, com uma inventividade infinita, onde o sorriso tem lugar. A liberdade de pensar, criar e sorrir pode ser um risco para os modelos pautados na tirania do igual, da performance e da normatividade. Todos que não atendam ao ideal podem ser um vítima da brutalidade. E aqueles que a praticam são, como temos estudados, os normopatas ou sociopatas que não fazem laço social, submersos na patologia da indiferença, onde a banalização do mal, das injustiças e do sofrimento são aceitos como naturais e a lei é do mais forte, vence quem atende as demandas veiculados pela voz que profere um “tudo-sabe e sabe-tudo”, enredando o sujeito num projeto de uma vida mortificada pelo normal. Produz assim, um taylorismo da subjetividade, a servidão, um modo de escravidão, de colonização pelos modos sofisticados de controle dos algoritmos. Sendo, a violência, além de uma prática velada, uma prática própria dessa lógica.


Os adoecidos pelas situações de assédio moral que buscam nosso projeto nos relatam medo e culpa que os consumiram por não atenderem as injunções do ideal, do igual e os comandos “seja eficaz e mais ágil”. O trabalhador sente uma vergonha de não ter sido capaz de corresponder ao modelo prescrito de normatividades. Sentem-se fracassados por não dominar o sistema operacional (muitos no momento na Universidade), por não conseguirem acessar, se manter conectado e por ter um corpo que falha. Sentem-se cada vez “mais morto que vivo”, enredado na patologia da melancolização. Passando a ser dependente de remédios que os fazem sentir mais pronto a atender, de modo absoluto e pleno, as exigências do sistema, dos gestores, da avaliação de desempenho e do autocuidado, demonstrando felicidade e gratidão pelo emprego que tem!! Submetido ao inexorável paradoxo da onipotência-impotência, ser perfeito e ser mortal.


São para esses trabalhadores de “carne e osso” que quero dedicar este texto. De modo particular, para os que adoeceram por causa da brutalidade do assédio moral vivido no ambiente de trabalho, e com muita dor, ainda encontram coragem para buscar tratamento e para falar das suas angústias. E esse é um duro percurso!

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