OPINIÃO

Cristhian Teófilo da Silva é doutor e mestre em Antropologia e bacharel em Ciências Sociais com habilitação em Antropologia pela UnB. Professor do Departamento de Estudos Latino-Americanos (ELA), Instituto de Ciências Sociais (ICS), Universidade de Brasília (UnB). Realizou pós-doutorados em estudos indígenas no Centro Interuniversitário de Estudos e Pesquisas Indígenas (CIÉRA) da Université Laval, onde é pesquisador associado, e em estudos comparados sobre as Américas no Centro de Pesquisa e Pós-Graduação sobre as Américas (CEPPAC) da UnB

Cristhian Teófilo da Silva

 

Em artigo publicado em 2018, observei que a relatoria do ministro Carlos Ayres Britto no caso da homologação da Terra Indígena Raposa/Serra do Sol (TIRSS), que embasou extensamente a elaboração das condicionantes aplicadas para a deliberação sobre o caso, acabou por construir um “cavalo de Troia” no âmbito dos direitos dos povos indígenas no Brasil. E isso se deu, sobretudo, pela definição do dia 5 de outubro de 1988 como “marco zero” da “ocupação tradicional”, o que anula histórias extremamente violentas de massacres, expropriações e deslocamentos forçados de comunidades indígenas de seus territórios.

 

As dezenove condicionantes colocaram irreversivelmente sub judice os procedimentos demarcatórios de terras indígenas, decorrentes do reconhecimento constitucional do usufruto exclusivo dos povos indígenas às suas terras. E, consequentemente, deflagraram um quadro generalizado de desconstrução do direito originário dos povos indígenas às suas terras tradicionalmente ocupadas, sejam elas já constituídas, das outras em constituição e daquelas por constituir, configurando, nas palavras do antropólogo João Pacheco de Oliveira, a: “maior ofensiva contra a política indigenista na história brasileira”.

 

No caso da decisão relativa à PET n. 3.388, o relator, ministro Carlos Ayres Britto, foi favorável em seu voto à demarcação em área contínua da TIRSS, reafirmando uma série de consensos administrativos em torno da matéria, nomeadamente: (1) “a condição indígena da área demarcada”; (2) “que as terras indígenas constituem bens da União”; (3) “que somente à União compete instaurar, dar sequência, concluir e efetivar esse processo por atos situados na esfera de atuação do Poder Executivo Federal” etc. Entretanto, ao relativizar a abrangência da “exclusividade” do usufruto indígena sobre suas terras e recursos, as condicionantes limitaram a extensão espacial de sua autonomia, abrindo espaço para a delimitação temporal da mesma ao enunciar o marco temporal para efetivação desse direito circunscrito à data de promulgação da Constituição de 1988. Com isso, o voto do ministro não fez frente ao poder simbólico das dezenove condicionantes. Não por outra razão, o Advogado-Geral da União Luís Inácio Adams promulgou a Portaria n. 303, de 16 de julho de 2012, com o intuito de tornar vinculante (leia-se jurisprudencial ou disciplinador no âmbito da AGU) a todos os processos demarcatórios a “tese do marco temporal”, o que foi reiterado pelo parecer n. 001/2017 da mesma AGU.

 

Tal feito engendrou nova controvérsia com relação ao caráter vinculante ou não dessa interpretação, o que resultou em Acórdão do STF publicado em 23 de outubro de 2013, tendo como relator o ministro Roberto Barroso, quando se rejeitou a vinculação do “marco temporal” a outros processos demarcatórios no país. Mais uma vez, isso não foi suficiente para deter os efeitos das condicionantes ora analisadas e a “tese do marco temporal” sobre outros agentes e agências estatais dos três poderes e nas três instâncias da federação (municipal, estadual e federal).

 

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