OPINIÃO

Berenice Bento é professora do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília e doutora em Sociologia pela UnB/Universidade de Barcelona.

Berenice Bento

 

O desejo de dominação e controle dos Estados Unidos e de outros países com DNA imperialista encontrou nas lutas das mulheres um artifício para produzir a justificativa necessária para a violência contra outros povos. Para que obtenham vitória, guerras adjacentes foram desencadeadas. A mais notável, a guerra entre os feminismos.
Como nomear as disputas internas entre os feminismos?

 

Há algum tempo que há uma guerra não declarada entre os feminismos. Certamente, o feminismo de mulheres negras e brancas estadunidenses que estão engajadas na luta pela autodeterminação do povo palestino, a exemplo das vozes de Angela Davis e Judith Butler. Seria possível colocá-las juntas à congressista democrata Carolyn Maloney, que vestiu uma burca e fez um discurso em 2001 para, supostamente, defender as mulheres afegãs? Elas vivem em um país ocidental e fazedor de guerras. Seria suficiente nomeá-las sob o enganoso guarda-chuva “feminismo ocidental”? Eu posso incluir outro termo, “feminismo branco ocidental”. Então, todas as mulheres brancas ocidentais são cúmplices das políticas imperialistas? Os marcadores regionais (ocidental) e de raça (branca) têm como efeito reinstaurar dois tipos de determinismo que deveriam ser combatidos: o determinismo geográfico e o biológico. As discussões sobre alianças, coalizações, consciência das estruturas de gênero, classe, sexualidade, religião são apagadas. O feminismo da congressista, por seu apego e defesa dos interesses do Estado, pode ser tipificado como “feminismo de Estado”. Voltarei a esse ponto.

 


No ensaio que publiquei no Le Monde Diplomatique aponto, de forma ainda incipiente, a noção de mulher-moeda no mercado moral-global. Como o feminismo de Estado tem instrumentalizado a vida de mulheres? Qual a função da mulher-moeda? O que se está disputando quando se apresenta de forma simulacral a situação de parte de uma população (a mulher) como causa necessária e suficiente para a invasão e ocupação por uma potência de um país?

 


Há dois momentos em que a mulher-moeda foi lançada no mercado moral-global como nunca antes observado na história contemporânea. O primeiro momento foi quando aconteceu a invasão do Afeganistão pelos Estados Unidos. O segundo, em agosto último, quando o Talibã tomou o poder em Cabul. Uma verdadeira “cabeça d’água” discursiva formou-se em torno da condição da mulher afegã. Nesses dois momentos, o feminismo de Estado foi fundamental para mover a opinião pública local e globalmente.

 


Vamos para 2001. Laura Bush, esposa do presidente Bush, disse: “Eu sou Laura Bush e estou fazendo o discurso desta semana no rádio para dar início a um esforço mundial para enfocar a brutalidade contra mulheres afegãs”.

 

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Publicado originalmente no Blog da Boitempo em 12/10/21

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