Cristhian Teófilo da Silva
Como tem sido amplamente divulgado pelos meios de comunicação e divulgação científica, a crise política, social e econômica da Venezuela, agravada em toda região e mundo pela pandemia da covid-19, tem acarretado um intenso e constante processo migratório dos venezuelanos para diferentes países da América Latina (Colômbia, Peru, Argentina, Chile e Brasil, principalmente). Considerando a reabertura das fronteiras internacionais decorrente da pressão para a retomada das atividades econômicas associada ao aumento da população imunizada, o movimento diaspórico venezuelano tem se intensificado. Trata-se de um movimento multifacetado, porque decorrente de múltiplas circunstâncias, e pluriétnico, pois reflete a diversidade étnica, cultural e linguística que compõe o povo venezuelano, com destaque para os povos indígenas Pemón, E’ñepá e Warao. Este último, habitante milenar do delta do Orinoco, constitui o segundo maior povo indígena da Venezuela com aproximadamente 50 mil habitantes, o que supera a população indígena mais numerosa do Brasil representada pelos Guarani, e já se encontra refugiado em cidades de todas as regiões do país em um processo dinâmico que se iniciou há seis anos, pelo menos.
Entretanto, o conjunto das ações governamentais diante deste processo tem se mostrado mais reativo do que planejado, denotando uma política precária ante a realidade destes refugiados. Por mais que o governo federal tenha alocado recursos para proporcionar apoio social e atenção médica aos indígenas venezuelanos, estas medidas não são suficientes sem uma prestação de serviços públicos de acolhimento e medidas de enfrentamento à discriminação e segregação racial, assim como ao racismo institucional que permeia a gestão dos abrigos em todo país. Na verdade, em função de sua grandeza demográfica e dispersão, os Warao tem conhecido de perto a dura realidade dos indígenas em contextos urbanos no Brasil que são alijados de políticas específicas para assegurar seus direitos fundamentais enquanto cidadãos ao mesmo tempo que respeitando seus usos, costumes e tradições.
É precisamente a busca de recursos e serviços inexistentes ou precários nas terras tradicionalmente ocupadas, sem perder o vínculo com estas, o que caracteriza a fixação de residência de mais de 315.180 indígenas nas cidades (Censo IBGE, 2010). A presença dos Warao na condição de refugiados ao lado de outros povos indígenas transfronteiriços, desterritorializados ou em trânsito pendular nas cidades configura uma realidade que deveria obrigar o estado a formular um novo ciclo de políticas públicas indigenistas para indígenas nas cidades, caso houvesse o compromisso verdadeiro com os direitos destes povos, famílias e pessoas. Neste sentido, será fundamental ter em mente que os indígenas provenientes dos países vizinhos buscam aqui o mesmo que tem buscado há décadas nos próprios países de origem, e que vem a ser o mesmo que buscam os próprios indígenas do Brasil, os meios de manterem suas formas tradicionais de reprodução física e cultural e assim exercerem o direito constitucional e internacionalmente assegurado a autodeterminação e ao etnodesenvolvimento seja nas aldeias ou nas cidades.
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