OPINIÃO

Gustavo Adolfo Sierra Romero é doutor em Medicina Tropical pela Universidade de Brasília. Professor da Faculdade de Medicina e pesquisador do Núcleo de Medicina Tropical da UnB.

Gustavo Romero

 

Após tímidas tentativas de pensar na possibilidade de quebra das patentes das vacinas contra covid-19 produzidas por grandes companhias farmacêuticas, o que poderia ampliar o acesso para os países mais pobres, o tema foi esquecido. Com arrogância, nos países com acesso à fartura de doses de vacina, debateu-se intensamente como seria desfrutado com segurança o verão boreal, enquanto ao sul do Equador, bilhões de pessoas permaneciam sem acesso à vacinação. No Brasil, não sem arrogância, os planos envolviam um apoteótico carnaval.


O surgimento da variante ômicron foi uma questão de tempo e, como sabemos, o Sars-CoV-2 mutou rapidamente. O fenômeno não surpreendeu o mundo científico, mas raramente a ciência dita o comportamento dos tomadores de decisões cruciais para a sobrevivência dos povos. O triste espetáculo de tentar segregar o risco da nova variante a alguns países africanos demonstrou que o norte global e os seus êmulos ao sul do Equador nada tinham aprendido em dois anos de tentativas infrutuosas de contenção da pandemia além das suas fronteiras.


Assim, a tentativa de disfarçar a responsabilidade, ao menos parcial pelo surgimento da nova variante, fracassou e cresce progressivamente o número de vozes que afirmam que, sem acesso equânime à vacinação, outras variantes assombrarão o nosso já obscuro horizonte. Tristemente, a nova onda pandêmica não sensibilizou os detentores do poder econômico global para dedicar recursos e vacinas para mudar a condição dos países mais pobres. Até hoje, os países ricos continuam nesse estado de irresponsabilidade coletiva em que a necropolítica floresce e, apesar da luta de organismos multilaterais para acelerar a vacinação dos desfavorecidos, os países pobres parecem destinados a continuar sem vacinação por muito tempo.


As iniciativas para garantir acesso às vacinas para a maioria da população mundial têm tropeçado nas barreiras construídas pela engrenagem que sustenta a disfunção crônica e perversa da economia mundial com concentração de riqueza galopante, apesar dos milhões de mortos causados pela pandemia. A discussão de acesso às vacinas parece ter sido esquecida no Brasil a partir do momento em que o país conseguiu, apesar dos criminosos esforços em contrário do governo federal, dar andamento à vacinação com participação crucial da Fiocruz e do Instituto Butantan. Certo é que a pandemia demonstrou que a pauta brasileira de autossuficiência em vacinas só terá impacto se contribuir, solidariamente, para mudar a realidade que impera no mundo que não tem acesso a imunizantes. Sem essa consciência, o país terá o seu destino unido àqueles que, ao ignorarem o drama dos menos favorecidos, sofrerão inevitavelmente o prolongamento da pandemia com o surgimento de novas variantes.


Felizmente, as vacinas continuam protegendo contra a doença grave e a morte pela variante ômicron e, nessa felicidade, pode existir o risco de banalizar a sua virulência. Algumas evidências apontam que a ômicron possui menor capacidade de afetar o tecido pulmonar, porém, o número de óbitos causados por ela em pessoas não vacinadas é preocupante.

 

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Publicado originalmente no Correio Braziliense em 27/01/2022.

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