OPINIÃO

Flávia Millena Biroli Tokarski é professora do Instituto de Ciência Política (UnB) e ex-presidente da Associação Brasileira de Ciência Política (2018-20); é autora, entre outros, de Gênero, Neoconservadorismo e Democracia (com Maria Machado e Juan Vaggione; ed. Boitempo)

Flávia Biroli

 

A reivindicação do direito ao voto é parte da luta ainda em curso pela participação das mulheres nos espaços políticos. Em 1932, há 90 anos, as brasileiras conquistavam o direito ao voto. Ainda hoje, no entanto, é preciso lembrar que a ocupação amplamente masculina dos espaços de poder limita, na prática, a cidadania política das mulheres. O voto, embora seja fundamental, é uma dimensão em que essa cidadania se realiza. Faz diferença quem ocupa os espaços em que são tomadas as decisões que afetam a todas as pessoas. E como as mulheres, em sua diversidade, são acolhidas nesses espaços. Estamos falando do acesso e das condições de permanência nos espaços em que leis são propostas e aprovadas, em que se determina para onde vai o orçamento público e se definem diretrizes para políticas públicas que fazem diferença no cotidiano da sociedade.

 

No Brasil, as mulheres correspondem a cerca de 52% do eleitorado e a 46% das pessoas filiadas aos partidos políticos. Votam, buscam participação na política e nos espaços institucionais, mas encontram barreiras para candidatar-se e ser eleitas. Encontram, também, barreiras para ocupar cargos que dependem da decisão de partidos e de políticos eleitos, como secretarias municipais, estaduais e ministérios. Menciono esses cargos porque são elos fundamentais nas carreiras políticas dos homens, recusados às mulheres. Quantos secretários municipais tornam-se depois prefeitos, deputados, governadores? Quantas secretárias mulheres foram indicadas pelos prefeitos homens eleitos para 97% dos municípios brasileiros em 2020?

 

A reprodução da política masculina, predominantemente branca, se faz ativamente. Para romper com ela, é preciso um compromisso claro dos atores institucionais e da sociedade com a representação plural e democrática.

 

Primeiro, é preciso deixar de lado as falsas pressuposições: “as mulheres não querem participar”, “o problema está no eleitorado, que não vota em mulheres”. Não temos evidências nem de uma, nem de outra afirmação. Temos, sim, observado seu uso por lideranças partidárias que desejam preservar os espaços e recursos para os homens, repondo as hierarquias existentes, e mesmo justificar o descumprimento da legislação. No Brasil, desde 1997 as listas partidárias devem ter ao menos 30% de candidaturas de um dos gêneros. Ao longo dos anos, os partidos buscaram subterfúgios para não cumprir esse mínimo. Desde 2018, por decisão do STF, seguida de resolução do TSE, ao menos 30% do fundo eleitoral partidário deve financiar candidaturas femininas. Em 2020, uma decisão do STF determinou que candidatas e candidatos negros sejam financiados proporcionalmente ao montante de candidaturas. São decisões importantes porque tornam mais efetivas as candidaturas que encontram menor suporte dos partidos.

 

Mas ainda é pouco. Enquanto tentamos fazer valer, no Brasil, uma regra que determina o mínimo de 30% de candidaturas e o financiamento correspondente, países da nossa região, como Argentina, Bolívia e México, avançaram das cotas para a paridade entre mulheres e homens na política. O Brasil está na lanterninha.

 

Lembro, ainda, que a crise da democracia no país é atravessada pela rejeição a agendas igualitárias e de direitos humanos, entre elas a da igualdade de gênero. Ativistas feministas e antirracistas têm sido alvos de ataques. A violência contra as mulheres na política, que se expressa de forma ainda mais aguda no caso das mulheres negras, é também um recado negativo a todas as meninas e mulheres do país. Por isso são fundamentais medidas institucionais que afirmam o contrário: a política é sim um espaço para as mulheres e temos que garantir sua participação, em segurança.

 

Dicas para mais dados e informações:

Projeto Atenea Brasil: Onde está o compromisso com as mulheres?, acessível por este link

Ana Prestes (org.): 100 anos da luta das mulheres pelo voto. Porto Alegre: E se fosse você?

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