OPINIÃO

 

Bruna Paiva de Lucena é professora (SEDF), escritora, militante feminista e pela educação pública. É doutora em Literatura e Práticas Sociais pela Universidade de Brasília. Publicou, em 2018, Poéticas a céu aberto: o cordel e a crítica literária, pelas Edições Carolina, e é uma das criadoras do projeto bip: bRASÍLIA iNSPIRA pOESIA (FAC-DF).

Bruna Paiva de Lucena

 

O acesso à voz, à escrita, à publicação nem sempre foi dado a nós mulheres, em vez de terra de abertura, encontramos um chão de interdições - declaradas no passado e escamoteadas nos meados do presente. Aliás, tivemos que a duras penas labutar por esses territórios a nós proibidos: a vida pública, a escola, o mundo do trabalho das letras, a assinatura de um livro. E mesmo depois de tudo isso em nosso horizonte, a persistência nos dirige à luta por legitimidade, visibilidade, respeito. A apreciação crítica do que as mulheres fazem foi por muito tempo feita exclusivamente por homens, brancos, de elite, eurocêntricos, os quais só viam o que, segundo eles, nos faltava. Os silêncios e as omissões que hoje a crítica literária feminista flagra nos indicam limites de visão, compreensão, consideração. Um limite patriarcal, machista, misógino, racista, homofóbico. O conceito de injustiça epistêmica, elaborado por Miranda Fricker (Epistemic Injustice: Power and Ethics of Knowing, 2007), nos escancara esse processo de impedimento, usurpação e violência.


No caso da literatura brasileira, em nossa historiografia oficial, a aparição de mulheres autoras dá-se em contínuos e árduos movimentos de reconhecimento, negação e ressalvas. Os argumentos levantados pela própria crítica giram em torno de dois eixos: ou as mulheres simplesmente “não escrevem”, por isso não estão na historiografia, ou as mulheres “ até escrevem, chegando até a escrever demais, mas nada é relevante”. A tese da professora de teoria literária e literaturas da UnB Virgínia Maria Vasconcelos Leal As escritoras contemporâneas e o campo literário brasileiro: uma relação de gênero, nos oferece um pouco dessa história, provando que existimos há muito, continuamos existindo e criando multiplicidades de estilos, personagens, temáticas e representações.


São pesquisas como a de Leal que nos oferecem releituras críticas da historiografia, que, a propósito, não é uma só; há de se falar em historiografias. Em minha pesquisa de doutoramento, reflito exatamente sobre essa questão, a partir de um registro que não nasce escrito: as poéticas das vozes. Ao investigar, na historiografia oficial brasileira, rastros de uma literatura que nasce da voz, mais uma vez me encontro com a história de nós mulheres. O critério escriptocêntrico, de acordo com o qual, as poéticas ligadas à oralidade não compõem a historiografia brasileira, excluiu uma série de mulheres dessa história. O preconceito escriptocêntrico está intrinsecamente ligado ao de classe, já que à população pobre é negado ainda hoje, em alguma medida, o acesso às letras no papel.


Nesse sentido, a escritora Conceição Evaristo nos regala com um entendimento profundo. Em uma entrevista ela disse: “Eu não nasci rodeada de livros, eu nasci rodeada de palavras”. E foram essas palavras, orais, jogadas ao vento, que foram a base de sua escrita, assim como de diversas outras escritoras, não estando a voz separada da escrita.

 

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