OPINIÃO

 

Danusa Marques é diretora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (IPOL/UnB) e professora do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política (PPGCP/UnB). Pesquisadora da área de gênero, representação e carreiras políticas no Núcleo de Pesquisa Flora Tristán (IPOL/UnB) e no Núcleo de Pesquisa sobre a Mulher (NEPeM/CEAM/UnB).
Contato: danusa@unb.br

Danusa Marques

 

Nas pesquisas acadêmicas, tem se tornado mais intenso o desenvolvimento de pesquisas sobre a violência política de gênero, principalmente dedicadas este fenômeno entre políticas profissionais. Na política institucional, esse debate também tem se tornado mais forte e, em 2021, o Brasil passou a ter uma legislação dedicada a combater a violência política contra as mulheres (Lei nº 14192/2021).


Apesar da evidente importância desta lei, ainda temos muito a fazer para construir um mundo sem constrangimentos por razões de gênero à livre participação política. Antes de tudo, precisamos levar a sério o debate sobre gênero, que não é um problema que só interesse às mulheres.


Gênero é um conceito muito atacado pelos grupos anti-igualitários justamente porque é complexo, sendo então um prato cheio para distorcê-lo e confundir o público. Quando falamos sobre papéis sociais de gênero, é claro que tratamos de pessoas concretas, mas também sobre como nos encaixamos (e somos encaixadas) nas desiguais representações sociais e como isso gera formas de violência específicas. Tampouco podemos retirar do conceito de gênero a sua dimensão sobre sexualidade. Assim, gênero não é sinônimo de mulheres, mas diz respeito aos papéis de gênero historicamente constituídos como legítimos para a vida social, construídos sobre uma falsa dicotomia que serve à manutenção do poder nas mãos de poucos.


De volta à violência política de gênero, acho importante ressaltar que o caso mais evidente de violência política de gênero no Brasil é o assassinato de Marielle Franco. A dor que ele carrega é enorme e um resumo da violência contra Marielle, mulher negra, bissexual e periférica, de carreira política promissora. Foi um ataque contra ela e também a tudo o que ela representa (literalmente, enquanto vereadora, ou seja, representante política). O assassinato de Marielle Franco entrecruza motivos de gênero, sexualidade, raça e classe de uma forma inequívoca. A não resolução do caso por parte do Estado, quatro anos depois, ecoa e multiplica a violência da sua execução naquele 14 de março. É um lembrete diário da ameaça pública, a continuidade de um mesmo processo de violência política.


Qualquer forma de diminuir a trajetória, atacar, ameaçar e constranger para impedir o acesso das mulheres a posições de decisão, reforçando as hierarquias de gênero, é uma forma de violência política contra elas. Muitas vezes não é executada por adversários de outros partidos, mas vem de dentro do seu próprio partido. Por exemplo, o subfinanciamento das campanhas eleitorais das mulheres é uma expressão da sua marginalização nos seus partidos. Muitas vezes, são constrangidas a usar os fundos individuais das suas campanhas em dobradinhas com homens – é uma forma de violência política econômica. Não trato aqui sobre o caso de uma ou outra mulher específica, mas sobre uma marginalização sistêmica e persistente.


Sempre precisamos estar atentas. Em um longo contexto de retrocesso democrático, é fundamental que toda a sociedade apoie o compromisso de promoção do combate à violência política de gênero e da livre participação política das mulheres, nas instituições e na sociedade civil organizada. É pela nossa própria sobrevivência.

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