OPINIÃO

Gloria Maria Vargas López de Mesa é mestra e doutora em Geografia (Geografia Humana) pela Universidade de São Paulo. Atualmente é professora associada da Universidade de Brasília e pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Espaço e Democracia- Gepedem. Trabalha nas áreas de Geografia Política, Geopolítica e Geografia Cultural.

Glória Maria Vargas

 

A invasão da Ucrânia pela Rússia surpreendeu o mundo na última quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022. O tipo de surpresa, relatada magistralmente por Gabriel Garcia Márquez na sua Crônica de uma morte anunciada, é daquelas em que se sabia que os fatos acontecidos tinham alta probabilidade de ocorrência, com múltiplos atores e instituições se debruçando sobre os antecedentes e fazendo cálculos sobre as suas possíveis consequências. No entanto, naquela quinta-feira (24/02/2022) ficamos todos estupefatos quando assistimos às imagens e tomamos consciência da magnitude do que estava acontecendo.


Causas que envolvem a complexa história da Ucrânia, têm sido apresentadas nos noticiários como pedaços de um quebra-cabeças desenhado, às vezes de improviso, para explicar as cenas que temos sido obrigados a digerir.


Há diferentes formas de emoldurar os acontecimentos. Uma delas, pouco comentada nos meios de comunicação, pelo menos até agora, é a de olhar para a Rússia como um poder com nostalgia do Império que já foi. Isto significa ver-se capaz de exercer enorme projeção de poder territorial, zelar pelos laços étnicos no seu entorno geográfico e preservar a “unidade do seu destino”.


O confronto com a Ucrânia pode, dessa maneira, ser referenciado numa escala maior, em que o “inimigo” não é o país invadido, visto que Vladimir Putin, o Kremlin e seus assessores não reconhecem sequer a existência da Ucrânia como tal, como ficou explícito no discurso de Putin em 22/02/2022, ao afirmar que a Ucrânia de hoje é um estado que nunca existiu na história. O confronto é com o Ocidente, e começou de forma explícita há nove anos, quando da anexação russa da Crimeia (março/2014) e o respaldo à insurgência na região de Donbas (abril/2014), no leste ucraniano. O impasse vivido até a quinta-feira passada e que desembocou na invasão, mostra que esta aguda crise, dentre muitas outras coisas, revela a medida em que a identidade imperial russa, seu status internacional e a percepção que as elites e o Kremlin têm da Ucrânia estão intimamente relacionados.


A implosão da União Soviética há 30 anos deixou a Rússia em uma posição geográfica única, como o país com o maior número de Estados vizinhos. A maioria desses Estados faziam parte das fronteiras imperiais e muitas delas são hoje o resultado de limites administrativos internos, pobremente delimitados na era soviética. Não é de se estranhar que muitos dos estrategistas do Kremlin façam a distinção entre as fronteiras formais da Federação Russa e o que eles consideram ser as fronteiras estratégicas, definidas em grande medida por interesses de segurança e econômicos. Estas últimas são maiores e mais expansivas que as primeiras e tendem a coincidir com os limites da antiga União Soviética.


Há um outro aspecto complexo sobre a situação fronteiriça da Rússia que merece ser mencionada. Diz respeito a como as fronteiras formais da Federação se relacionam com a esfera de identidade russa. Quando os líderes russos discutem sobre os russos étnicos que moram nos estados contíguos, utilizam o termo “compatriotas” para se referir a eles.

 

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