OPINIÃO

 

Germana Henriques Pereira é professora Departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução, da Universidade de Brasília. Doutora e mestre  em Literatura pela Universidade de Brasília. Graduada em Licence En Portugais, em Licence En Français Lettres Modernes, em Maitrise En Lettres Modernes pela Université de Rennes II, França. Atualmente é diretora da Editora UnB.

Germana Henriques Pereira

 

Norma Diana Hamilton e Alessandra R. de Oliveira Harden, ambas professoras do Departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução, do Instituto de Letras da Universidade de Brasília, organizaram um livro no qual procuraram dar voz a vozes femininas negras. Para tal, se instrumentalizaram do exercício da tradução como uma ação política, que resultou na importantíssima obra Tradução como prática de resistência e inclusão: vozes femininas negras, recém-publicada pela Editora UnB.

As(os) autoras(es) aqui reunidos, intelectuais e militantes antirracistas, são referências para diversos coletivos e organizações antirracistas no Brasil. Nesta obra, contribuem para dar visibilidade a uma epistemologia feminina negra em contraposição e resistência à epistemologia eurocêntrica. Merece destaque a intenção das organizadoras em contextualizar de como tradutores e tradutoras utilizam seu ofício também como luta política, pois, de acordo com elas, não há neutralidade na tradução.

É a partir dessa produção intelectual, que a tradução pode ser entendida como ferramenta para atuação no mundo, pois tradutoras(es) “estão abertos e prontos para ouvir as muitas vozes que constituem o nosso mundo, em especial aquelas que têm sido silenciadas por processos históricos – mesmo quando gritam alto na tentativa de serem ouvidas” (p. 8). Além do mais, torna-se imperioso que a linguagem cultural precisa ser subvertida, tendo em vista que racismo, sexismo, patriarcalismo, colonialismo e outros ismos são marcas profundas da cultura de dominação ainda vigente.

É nesse contexto que este livro propõe reflexões acerca do “desfazer do silêncio” com proposições críticas ao poder colonial em interlocução com o pensamento de escritoras pensadoras negras, que procuram entrelaçar a desigualdade racial e social com a denegação da amefricanidade, como expressava Lélia Gonzales. Trata-se aqui de propor um jogo de inversões, no qual a autoria feminina negra ganha maior visibilidade em relação àquelas (es) escritoras (es) consideradas (os) canônicas(os).

Há uma direção nítida nos textos aqui reproduzidos em nome da liberdade e da emancipação contra a força da discriminação, da colonização, do neoliberalismo. Há nesses textos a pedagogia do grito como herança desfazendo o silêncio do aniquilamento das línguas com a potência do pensamento de Ivonne Vera, ficcionista zimbabuense; Maryse Condé, escritora guadalupense, difusora da história e a cultura africana no Caribe; Oyèrónké Oyêwùmí, pesquisadora e professora nigeriana; Lélia Gonzales, intelectual feminista e militante antirracista brasileira; Maria Beatriz Nascimento, historiadora brasileira, professora, roteirista, poeta e ativista pelos direitos humanos; Conceição Evaristo, romancista brasileira, poeta, contista e pesquisadora em literatura comparada. O legado intelectual dessas pensadoras se junta a outras pesquisas, como a realizada pelo grupo de pesquisa MapTrad/UnB, que se trata de um mapeamento da autoria feminina negra de língua inglesa nas Américas e na África e da sua tradução no Brasil.

Além das organizadoras/autoras, Gleiton Malta, Cibele de Guadalupe Sousa Araújo, Dyhorrani da Silva Beira, Gardênia Nogueira Lima, Marcela Iochem Valente, Valéria Lima de Almeida, com fôlego intelectual para processar um conjunto tão variado de fontes, informações e reflexões, provocaram questões que remetem à desnaturalização da barbárie, que mutila corpos e procura silenciar vozes dissonantes da versão da história colonizadora. Além de provocativa, essa coletânea de textos indica que o caráter das lutas emancipatórias não está ligado apenas à dimensão tática, mas para além disso; o que pode significar afirmar uma outra gramática, que “reivindica outros espaços e direitos, apresentando imagens mais adequadas e justas sobre o sujeito feminino negro” (p. 7).

É uma obra que merece ser lida, pois, além de instigante, é exemplo de uma rica análise do ato de traduzir e referência para aquelas pessoas que seguem interrogando radicalmente o mundo em que ainda vivemos e o modo como nos comportamos diante do silenciamento das vozes que incomodam o sistema de poder colonial.

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