OPINIÃO

Serena Veloso Gomes é jornalista na Secretaria de Comunicação da UnB e doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCOM) da UnB, na linha de pesquisa Poder e Processos Comunicacionais. É mestra em Comunicação pela Faculdade de Informação e Comunicação da Universidade Federal de Goiás, na linha de pesquisa Mídia e Cultura (2016).

Serena Veloso

 
Texto extraído da edição 16 da revista Darcy e publicado na seção de Artigos do UnBNotícias em homenagem póstuma ao estudante do Programa de Pós-Graduação em Patologia Molecular Agnelo Rodrigues de Souza Neto.
 

 

                                         “Quis ser eu mesmo, simples do jeito que sou, e as pessoas acabaram gostando” (Agnelo Dias de Souza Neto)

 

 Nos banquinhos do Instituto de Ciências Biológicas, Agnelo Dias de Souza Neto aguarda ansioso pela entrevista. Vocabulário simples, sorrisos contraídos e mãos inquietas. A timidez esconde uma história de superação. De origem pobre, o mineiro, nascido em São Francisco, decidiu sair da roça, onde morava com os pais e oito irmãos, e vir para Brasília ainda adolescente. Queria avançar nos estudos e trabalhar.

 

Na capital federal, o ritmo convulso sobrepôs-se ao bucolismo. Aos 22 anos, Agnelo foi trabalhar como auxiliar de pedreiro, enquanto concluía o ensino médio. Ali, decidiu planejar o destino. Queria ingressar em uma universidade pública. “Os caras da obra falavam que eu tinha futuro, porque durante os intervalos do almoço, enquanto todo mundo dormia, eu ficava estudando”, lembra.

 

Nada garantia que o percurso seria fácil. Entre o desejo de se graduar na UnB em Biologia e o vestibular, um grande obstáculo: a falta de recursos financeiros e de base educacional adequada para concorrer a uma vaga com outros milhares de alunos.

 

Nem por isso Agnelo desistiu. Passou quatro anos em um cursinho, amparado por bolsa de estudos, e se submeteu diversas vezes aos processos seletivos da UnB. “Quando não passava, aí que criava mais forças para estudar e tentar entrar de qualquer jeito na Universidade.” Revezava o novo ofício de frentista, das 5h às 12h, com estudos no restante do dia. Com a perseverança, veio a aprovação em 2010, e o início de novo capítulo na vida.

 

Para dar conta da rotina acadêmica cheia de leituras, trabalhos e provas, abriu mão do emprego. Sobreviver sempre foi uma adaptação para o futuro doutor. Sem renda suficiente, passou a contar com apenas R$ 400 de uma bolsa de Iniciação Científica, além dos trocados de bicos noturnos como motoboy – o que pouco durou.

 

As dificuldades nunca o desestimularam, mesmo em um ambiente com realidades sociais totalmente distintas. “A maioria do pessoal da UnB é de classe média e alta. Eu era da pobreza. A adaptação é diferente, porque tudo que eles faziam eu nunca fiz, tipo viagem, essas coisas. Quis ser eu mesmo, simples do jeito que sou, e as pessoas acabaram gostando.”

 

Ainda na academia, um choque: o pai teve um AVC. Tinha prova na mesma semana. Foi acompanhá-lo no hospital com os livros nas mãos. “Eu chorava e ao mesmo tempo estudava.” Deprimido e sem confiança, não esperava alcançar a melhor nota da turma. Foi assim a descoberta da habilidade com a bioquímica.

 

Do envolvimento com projetos de pesquisa, encontrou a verdadeira vocação. “Entrei aqui querendo ser policial civil. No meio da graduação, estava nos laboratórios da vida e acabei tirando a ideia da cabeça. Falei: quero ser professor da UnB.”

 

A dedicação e a sede por conhecimento levaram o estudante a ingressar no mestrado e, em seguida, no doutorado. Hoje, aos 34 anos, Agnelo trabalha com “bichinhos” microscópicos no Programa de Pós-Graduação em Patologia Molecular da UnB. Investiga proteínas ainda não identificadas no Trypanosoma cruzi, vetor da Doença de Chagas. Sabe explicar de cabo a rabo a complexidade do estudo.

 

Diante de tantas conquistas em meio a uma trajetória tortuosa, deseja que outras pessoas com dificuldades similares tenham a mesma oportunidade de “vencer na vida”.

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