OPINIÃO

Arte: Patrícia Meschick

 

Isabel Fleck é jornalista, com passagens por Folha, O Globo e HuffPost

 

Marina Medleg Simon é jornalista, professora e doutora em Comunicação pela UnB.

Isabel Fleck e Marina Simon

 

O Hugo é como um vulcão, o Hugo é como um fenômeno da natureza. De tantos depoimentos viscerais sobre Hugo Rodas, a frase do diretor de teatro e amigo Guilherme Reis foi a que se tornou fundamental para introduzir o nosso espectador à figura arrebatadora que era o Hugo.

O ano era 2005. A missão: fazer uma cinebiografia inédita de um dos maiores diretores de teatro de Brasília. Éramos duas estudantes de Jornalismo da UnB prestes a nos formar.

A princípio, Hugo mostrou-se resistente quando o convidamos para o projeto. Nos intimidava com sua forte presença. Não escondia uma impaciência que até hoje nos perguntamos se não era mais uma de suas memoráveis interpretações. Porque, acima de tudo, Hugo era um excelente ator – e se entregava a esse ofício de corpo, alma e voz.

E o personagem rabugento fazia todo sentido, porque estávamos exigindo tanto do seu cronometrado tempo de diretor, professor, pesquisador. Porque ainda estávamos aprendendo. Porque a grandiosidade da sua obra poderia ser objeto de um projeto cinematográfico muito mais pretensioso.

Mas, olhando em retrospecto, faz mais sentido que toda a resistência inicial não passasse de mais um brilhante personagem. O personagem que ele nos quis mostrar. Porque ele, no fundo, nos dirigiu o tempo todo. Com muito amor e generosidade. Porque esse era ele.         

E assim nasceu o curta-metragem Palco dos Sonhos - Na Companhia de Hugo Rodas, nosso projeto final de graduação na Universidade de Brasília, que se tornou uma experiência transformadora. Transformadora para as duas diretoras, mas também para toda a equipe que realizou conosco esse documentário.  

No filme, vemos um Hugo, aos 65 anos, esbanjando pura vitalidade, espontaneidade, irreverência. Ele todinho como poucos conseguiram captar com uma câmera. Um deleite para todos os sentidos. Que felicidade e privilégio o nosso ter registrado tantas cenas – hoje memoráveis.

Hugo adorava estar entre estudantes e passar conhecimento. Muitas vezes, de uma forma brutal demais. Suas disciplinas viraram lenda no IdA, e era impossível passar por elas sem sofrer uma metamorfose. Gerações de atores cruzaram seu caminho e levaram com elas a provocação que só o Hugo sabia causar. Também puderam mostrar no palco o que só o Hugo conseguia extrair.

Naquele tempo, o diretor e professor também já admitia ter mudado com os anos. Se tornara “menos violento”, como ele mesmo narra no filme. Se considerava melhor professor também, por ser menos “apaixonado” do que quando começou: “Um apaixonado não ensina bem”.

Mas Hugo também tinha total consciência de sua importância para o teatro da capital. Da transformação causada pelo seu grupo Pitu. Do impacto gerado pela dança, música e movimento que ele trouxe para os palcos.

O teatro de Brasília ficou mais vivo depois que Hugo chegou, em 1975, em meio a uma ditadura militar. “A palavra era censurada, o gesto não era”, lembrou o genial diretor no documentário. E como Hugo balançou estruturas só com o sua forma de interpretar.

Porque ele era um artista completo e fazia tudo com maestria: atuava, dançava, cantava, tocava piano, dirigia. Concebia seus personagens com os figurinos que ele próprio desenhava. Criava criaturas, como seu mestre Fellini. Impossível não lamentar a sua partida. Mas seu legado está aqui, muito bem plantado. Juntou-se aos grandes. Viva Hugo!  

 

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